(Se ainda não conferiu o vídeo crítico de Felipe Neto, hoje o maior youtuber (em views por mês) do Brasil, ao lado do irmão Luccas, pode começar este texto pelo fim, clicando no play, e, depois, volte à análise. Se não for o caso, ou se não estiver no pique de assistir, continue)
Conheço Felipe Neto. Serei transparente. Antes de entrevistá-lo pessoalmente, tinha certo asco da figura – mas não havia escrito sobre ele por não ter mergulhado na história o suficiente. Meu quase desprezo tinha âmbito estritamente pessoal. Youtubers, muitos deles, o detonavam em festas, conversas, onde fosse – e já entrevistei mais de uma centena dessas celebridades da internet, pelo ofício e como base para um livro que logo será publicado pela Editora Intrínseca. Executivos, de várias empresas ligadas direta ou indiretamente aos negócios digitais, seguiam a mesma toada. Quando resolvi entrevistar Felipe, foi uma novela de um ano de duração para conseguir isso. E tudo fazia aumentar um pouquinho do nojo. Contudo, até aí, tratava-se de um preconceito que eu não poderia transpor para a minha lida jornalística. Para fazer isso, era necessário realmente conhecer o trabalho de Felipe Neto.
Então, fui entrevistá-lo. Um papo que depois rendeu alguns dias de trabalho o seguindo, na cola dele. Antes de realmente ver centenas de vídeos de Felipe Neto (o que fiz), tanto antigos quanto novos, e de ouvi-lo, minha intenção era ser extremamente ácido na reportagem. Depois de conhecer o trabalho dele e perceber que poucos se davam ao (a repetição de palavra é proposital) trabalho de fazer o mesmo antes de espinafrá-lo, o rumo mudou. Descobri um empreendedor, um comunicador, um cara que hoje reflete antes de falar, um leitor assíduo – de Stephen King a obras sobre psicologia infantil e marketing –, um colecionador nerd, um ator carismático, um famoso perseguido por deslizes do passado etc. O resultado do perfil dele que publiquei em VEJA (leia no link) acabou por sair mais, digamos, doce, com uma ou outra pitada de pimenta. Na dose para alguém que estudou por semanas o que realmente faz Felipe Neto. Não resultado da impressão de quem vê 1 minuto de um dos sei lá quantos vídeos que já deram a ele mais de 3 bilhões de visualizações (e uma fortuna invejável).
Depois disso, ainda critiquei livros lançados pelo youtuber e expus o lado dele em uma polêmica envolvendo publicidade infantil. No entanto, delonguei-me, retomemos o assunto principal deste texto.
Hoje Felipe Neto publicou um vídeo (repito: abaixo) sobre como estaria sendo perseguido pela imprensa mal-intencionada e desesperada. A mídia, em crise, teria passado a ser composta por uma boa parte de sites caça-cliques, que fazem de tudo por views (disse ele: “Imagens sensacionalistas, títulos odiosos. Arruinar vidas e carreiras para ganhar cliques”). Por de tudo entenda, como exemplo: atacar Felipe Neto.
Ele tem razão? Em parte.
Disse ele, em um vídeo anterior destacado no novo que saiu do forno virtual, que o jornalismo “desesperado por conseguir cliques” tem como alvo a “nova mídia” (ele mesmo), que seria vista pela “velha mídia” como um “bando de paspalhos fazendo uns vídeos imbecis no YouTube e faturando milhões com isso”. É verdade que há sites caça-cliques que publicam qualquer coisa atrás de audiência. É verdade que a mídia está se reinventando. É verdade que muitos jornalistas se arrependeram de, por muito tempo, terem investido na estratégia do “tudo por um clique a mais”.
Porém, Felipe, o que você critica não é jornalismo. Não para mim. Assim como fake news não deveria ter “news” no termo, pois não passa de mentira, sem notícia, o “jornalismo” que você tem como alvo não é jornalismo. Não é a profissão pela qual me apaixonei ainda criança, em meio a Clark Kent e Spider Jerusalem. E pela qual me decidi ainda cedo após me deliciar com uma reportagem magnífica de Ricardo Setti que me marcaria ao longo da vida.
Muita coisa que tem sido chamada de jornalismo não é. E não só por Felipe Neto. Isso porque o fuzuê da internet, que tem seus benefícios, mas muitos malefícios, acabou por levar ao pânico alguns colegas. Esses colegas esqueceram dos preceitos mais básicos da ocupação e passaram a favorecer, sim, a prostituição da profissão em favor de uns centavos de cliques. No entanto, isso não é jornalismo.
Um jornalismo que, em meio às fake news (apelando ao termo popular) e à cacofonia, tem voltado a ganhar força. E muita força, em um mundo que tem mostrado necessidade de edição. Um jornalismo que pode, sim, conviver bem, e em um ambiente saudável de liberdade de expressão, com youtubers, instagrammers, e qualquer coisa que venha a surgir das novas tecnologias – isso se não se insistir na crítica cega ao novo, sem ouvir o outro lado (e releia o “cega”, pois crítica sempre pode ser bem-vinda, contando que seja da linha informada, a que recorreu a fontes primárias antes de gritar por aí).
Acredito nesse jornalismo. Tenho dado boa parte de minha vida a ele. E isso que é jornalismo. De restante, o que é apontado por Felipe Neto, simplesmente não é jornalismo. Trata-se de um bug que deu no meio do caminho. Ou prefiro continuar acreditando nisso.
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