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A Origem dos Bytes

Por Filipe Vilicic Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.

Livro revela a face mais obscura de Olavo de Carvalho

Obra assinada por filha mais velha do ideólogo, em parceria com o filósofo e youtuber Henry Bugalho, mostra hipocrisia, contradições e histórias podres

Por Filipe Vilicic Atualizado em 24 jan 2020, 11h02 - Publicado em 17 jan 2020, 17h48

Por que queremos saber da vida privada de um idoso brasileiro de 72 anos que, segundo se conta, fugiu para a Virgínia por ter medo de responder por seus atos no Brasil, cheio de preconceitos, sem formação acadêmica, cujas ideias deturpadas são expostas em um canal escatológico no YouTube, acerca do qual até pouco tempo raríssimos sabiam da existência?

Antes de começar a ler o assustador relato de Heloisa de Carvalho, filha do tão frequente Olavo, no livro Meu Pai, o Guru do Presidente, é preciso compreender o contexto. Conjuntura esta essencial para entender a razão de ser tão importante esclarecer como Olavo de Carvalho moldou a ideologia – o que ele mesmo chama de olavismo, com suas e seus olavetes – responsável por jogar um país inteiro em uma armadilha, um buraco de obscurantismo, anticiência, antivacina… até terraplanista. Uma tentativa de regredir a uma Idade Média que nem existiu no Novo Mundo.

O noticiário de hoje indica a urgência. Ao parafrasear Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Roberto Alvim teve o mérito indireto de indicar para onde se caminha um pensamento epidêmico disseminado por figuras do atual governo federal – com perigo de se tornar delírio coletivo, como já fora em outros momentos de uma história recente demais. Uma ideologia que, em outras datas, se manifestou em preconceitos e insanidades ditas por diversos dos colegas de Alvim, de Ernesto Araújo – cujas intenções não se escondem atrás das menções a Raul Seixas e Renato Russo – a Damares Alves, promotora da abstinência, afeita à interferência na vida privada dos outros.

“Não acredito que Olavo tenha uma linha direta com Jair Bolsonaro, mas influencia a ideologia de todo o governo, doutrinando, com suas falhas de pensamento, pessoas com influência direta no presidente e interferência em políticas públicas. A exemplo de Eduardo Bolsonaro, Araújo e Filipe Martins”. Analisou, em conversa com este colunista, o filósofo e escritor Henry Bugalho, que no YouTube publica vídeos que indicam erros e refuta afirmações de discípulos do guru, como Nando Moura, além do próprio Olavo.

Bugalho conheceu Heloisa, a filha do ideólogo autoproclamado filósofo, quando a mesma comentou em um dos posts dele no canal de vídeos. Depois, realizou uma entrevista com ela, na qual já se indicavam alguns fatos, digamos assim, bizarros da trajetória do pai. Nos últimos meses, trabalhou com ela no livro, do qual é coautor.

“Olavo é o pai de todos nós”, já definiu Eduardo Bolsonaro, ao explicar qual seria o papel de guru reacionário frente a decisões de sua família – e, por extensão, do governo. Pai desses todos a quem se referia, pode até ser. Mas, no que defende Heloisa, não um bom pai para seus próprios filhos.

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Enquanto o youtuber Olavo se faz de homem de família, “de bem”, cristão, intelectual, conservador, preocupado com o Brasil e os brasileiros… seu histórico, e revelações de bastidores, escancaram que não é isso. Nada disso. Na real, trata-se do oposto. Abaixo, algumas das tantas revelações da obra, todas pelo testemunho da filha mais velha do senhor dos confins da Virgínia.

– Olavo de Carvalho abandonava os filhos em diversas situações. Exemplo: quando Heloisa, criancinha, encontrou a mãe “desmaiada em uma banheira ensanguentada, com ambos os pulsos cortados”, logo foi pedir socorro a Olavo; achou-o nos braços da amante, sua aluna em um curso picareta de astrologia, desprezando a situação; no hospital, o pai obrigou filhos a ver a figura materna à beira da morte, incluindo uma fala na qual aparentou ridicularizar a mulher;

– Após a esposa ser internada em um manicômio, Olavo levou Heloisa para morar com ele e a amante. Quando o pai viajava, em meio a funções como astrólogo, ou como líder de uma estranha seita islâmica, a amante, mais jovem que ele, mudava-se para a casa da avó. Heloisa, a filha, ia junto? Não. Segunda a mesma, era deixada à própria sorte, em casa, sozinha;

– Numa dessas situações, ela com 10 anos de idade, ladrões invadiram a residência. Por sorte, Heloisa se escondeu dentro do guarda-roupa e não foi achada. Quando retornou à casa, Olavo se deparou com a porta arrombada. Sabia que a filha estava dentro, todavia, por medo de se deparar com bandidos, optou por não adentrar, em amparo a ela (isso mesmo que o guru se orgulhasse de andar sempre armado; inclusive dentro de sua própria casa, por ser o paranoico que tudo se indica ser). Chamou a polícia e se escondeu;

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– Nos anos 1980, chefiou duas seitas, uma mística, outra islâmica (uma tariqa). Heloisa destaca que em ambas ele extorquia seguidores – em algo como procurou fazer recentemente, pedindo dinheiro pelo Twitter –, manipulava indivíduos usando até técnicas de hipnose, dentre outras atrocidades;

– Olavo, quando era chamado como Sid Mohammad Ibrahim, teve uma relação poligâmica com três esposas e viveu em uma casa com diversos seguidores, sendo que cabia a ele controlar quem teria direito ao uso de um quarto matrimonial no qual se permitiam relações sexuais;

– O hoje defensor da moralidade realizava rituais que envolviam trocas de casais e abortos ritualísticos;

– Escreve Heloisa: “O guru do conservadorismo e do cristianismo não foi capaz de dar nem um único telefonema para a mãe no leito de morte”.

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– Sid Mohammad Ibrahim dizia acreditar em coisas como que encarar um gato seria bom remédio para dor de cabeça; e na importância de ter no porão de sua casa uma barca egípcia, destinada à sua morte (conta-se que o guru chegou a se encerrar, com uma parede de tijolos, no local onde tal barca estaria; e foi resgatado após gritar por socorro);

– Olavo pertenceu ao Partido Comunista e teria participado de um sequestro com cárcere privado;

– Em 1985, tentou recorrer a um advogado do PT, seu vizinho, clamando por auxílio para mover um processo contra a seita Tradição. Foi rejeitado e, segundo me disse Heloisa, está aí a raiz do ódio dele para com o PT – e não nos escândalos de corrupção e afins;

– O ideólogo teria aplicado golpes financeiros em uma editora e também em amigos que o financiavam.

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São muitas as revelações escandalosas. Que de nada valeriam se não fosse a relevância tomada por Olavo em meio a este Brasil de polarização, extremistas e secretário de Cultura que soa como Goebbels. Até pouquíssimos anos, Olavo de Carvalho não era só desprezível, como desprezado – por intelectuais, políticos, acadêmicos, jornalistas, quem fosse; naqueles bons tempos em que ele nada representava, servia só de motivo para piadas, para quem acabava se deparando com um de seus péssimos livros, ou com o que regurgitava no Facebook. Vale lembrar, entretanto: nesses mesmos tempos pretéritos, Bolsonaro era outro que se restringia às piadas.

Nos últimos cinco anos, porém, seus discípulos se espalharam por emissoras de rádio, canais de TV, quartéis (em menor escala, ufa!), por autoridades da Justiça… impregnando manifestações, e as redes sociais, com a frase de ordem “Olavo tem razão”. Com rapidez assombrosa a quem não sabia da trajetória desse líder de seita, espalhou-se sua rejeição a verdades factuais, a visão deturpada – quando não beira a criminosa – de intelectuais e cientistas, o ódio a acadêmicos (que nunca lhe deram bola antes), ativistas, supostos comunistas… a tudo aquilo que ele tentou ser, sem êxito.

“Impõe um sentimento de vingança, de revanchismo, que desde que Bolsonaro assumiu a presidência ameaça políticas públicas, como se vê pelas atitudes de Abraham Weintraub no Ministério da Educação”, pontua Henry Bugalho. Não só na Educação. O guru parece ter tido algum grau de influência nas decisões que levaram: um ruralista que parece ter asco da natureza a comandar o Ministério do Meio Ambiente; um diplomata sem expressão a virar chanceler; uma figura com ódio a minorias à frente da pasta de Direitos Humanos; um artista fracassado, com raiva de seus colegas, e dizeres de ministro nazista, a ter a Cultura em mãos; e são tantos e tantos exemplos.

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A importância de Olavo para o governo é possível de ser sentida até ao se saber das dificuldades passadas para a publicação Meu Pai, o Guru do Presidente – cuja distribuição está programada para começar hoje (17). Segundo Henry Bugalho, o Ministério da Educação teria ameaçado uma editora que pretendia lançar o título, mas desistiu por tal razão. Hackers ainda teriam tentado derrubar a página de vendas, além de invadido o endereço de e-mail de um editor. O próprio Olavo começou a ameaçar, via redes sociais, sua filha de processos – aliás, no passado ele já processou (e perdeu) Heloisa (seguindo um método que há muito virou sua praxe).

“No futuro, Olavo provavelmente não será recordado ou, se for, a memória será de uma figura que serviu a tempos estranhos e obscuros dos quais quisemos esquecer”, avalia Bugalho. “O meu receio é só que o pensamento dele se internacionalize, com a ajuda de indivíduos como Steve Bannon, contaminando países suscetíveis a isso, como os Estados Unidos. Aí a tragédia seria bem maior, inclusive para o futuro”.

“Meu pai não gosta do Brasil, nem de brasileiros. Jamais gostou. Algo sempre evidente a quem o conhece. Ele só pensa nele mesmo e em como manipular pessoas, com técnicas que aprendeu depois de ter sido internado em um manicômio, do qual saiu sem alta médica”, afirma a filha, em conversa que tive com ela (em breve planejo publicar neste espaço a entrevista completa com Heloisa). “Covarde, medroso, hipócrita. Gostaria que ele vivesse uma vida simples, isolada, sem repercussão”.

Não é o que ocorre. Enquanto isso, Olavo se vende com um homem “de bem”, de consciência limpa, erudito, moralista, cristão, paladino dos valores familiares. Quando nada disso é. Na real, é o oposto do que prega. Nesse ponto, volta a se assemelhar tanto a quem hoje gere o Brasil.

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