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Trechos inéditos de livros que estarão em breve nas prateleiras. Editado por Luísa Costa.
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Leia o primeiro capítulo de ‘Origem’, o novo livro de Dan Brown

Romance traz o simbologista Robert Langdon, de 'Código da Vinci', em aventura religiosa. O lançamento mundial será em 3 de outubro

Por Luísa Costa Atualizado em 13 set 2017, 14h08 - Publicado em 13 set 2017, 14h06
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  • Autor do best-seller O Código Da Vinci, Dan Brown está de volta com o suspense Origem (Ed. Arqueiro, 432 págs., R$49,90) – e também o personagem que o alçou à fama, o astuto especialista em simbologia Robert Langdon.

    Desta vez, o professor de Harvard tenta desarmar uma conspiração que visa abafar uma revelação bombástica, com potencial para afetar o que se entende por religião em um mundo repleto de extremismos.

    O lançamento mundial da obra será no dia 3 de outubro. Confira o prólogo e o primeiro capítulo:

     

    Prólogo

    Enquanto o antigo trem de cremalheira se arrastava pela encosta vertiginosa, Edmond Kirsch ia examinando o topo serrilhado da montanha. A distância, construído na face de um penhasco íngreme, o enorme mosteiro de pedra parecia suspenso no espaço, fundido magicamente com o precipício vertical.

    Esse santuário antiquíssimo na Catalunha, Espanha, tinha sofrido a atração implacável da gravidade durante mais de quatro séculos, jamais escorregando do objetivo original: isolar seus ocupantes do mundo moderno.

    Historicamente, os homens mais perigosos da Terra eram homens de Deus… em especial quando seus deuses eram ameaçados.

    Por ironia, agora eles serão os primeiros a saber da verdade, pensou Kirsch, imaginando como reagiriam. Historicamente, os homens mais perigosos da Terra eram homens de Deus… em especial quando seus deuses eram ameaçados. E eu vou arremessar uma lança em chamas contra um ninho de vespas.

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    Quando o trem chegou ao topo da montanha, Kirsch viu uma figura solitária esperando na plataforma. Um velho esquelético vestindo a tradicional batina católica roxa com roquete branco e um solidéu na cabeça. Kirsch reconheceu as feições duras e ossudas do homem a partir de fotos e sentiu uma inesperada onda de adrenalina.

    Valdespino veio me receber pessoalmente.

    O bispo Antonio Valdespino era uma figura formidável na Espanha – não somente amigo e conselheiro de confiança do próprio rei, mas também um dos mais influentes e enfáticos defensores da preservação dos valores católicos conservadores e dos padrões políticos tradicionais.

    – Edmond Kirsch, presumo? – entoou o bispo quando Kirsch saiu do trem.

    – Culpado – respondeu Kirsch, sorrindo enquanto se adiantava para apertar a mão ossuda do anfitrião. – Bispo Valdespino, quero agradecer por ter arrumado este encontro.

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    – Eu é que agradeço que o tenha requisitado. – A voz do bispo era mais forte do que Kirsch esperava: clara e penetrante. – Não é comum sermos consultados por homens de ciência, em especial um tão importante como o senhor. Aqui, por obséquio.

    Enquanto Valdespino guiava Kirsch pela plataforma, o ar frio da montanha açoitava sua batina.

    – Devo confessar que o senhor é diferente do que imaginei – disse Valdespino. – Estava esperando um cientista, mas o senhor é um homem bem- -apessoado… – Ele olhou com uma leve sugestão de desdém o elegante terno Kiton K50 e os sapatos de couro de avestruz Barker. – Está, como se diz, nos trinques, não é?

    Kirsch sorriu educadamente. A expressão “nos trinques” saiu de moda há décadas.

    – Lendo a lista dos seus feitos – continuou o bispo –, ainda não estou totalmente certo do que o senhor faz.

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    – Sou especializado na teoria dos jogos e em modelagem por computador.

    – Então o senhor faz os jogos de computador com os quais as crianças brincam?

    Kirsch sentiu que o bispo estava fingindo ignorância numa tentativa de parecer antiquado. Sabia que Valdespino era um estudioso de tecnologia assustadoramente bem informado e que sempre alertava sobre os seus perigos.

    – Não, senhor, na verdade a teoria dos jogos é um campo da matemática que estuda padrões com o objetivo de fazer previsões sobre o futuro.

    – Ah, sim. Acho que li que o senhor previu uma crise monetária na Europa há alguns anos, não foi? Quando ninguém lhe deu atenção, o senhor salvou o mundo inventando um programa de computador que trouxe os Estados Unidos de volta dos mortos. Qual foi mesmo a sua frase famosa? “Aos 33 anos, tenho a mesma idade que Cristo quando ele ressuscitou.”

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    Kirsch se encolheu.

    – Uma analogia ruim, Reverendíssimo. Eu era jovem.

    – Jovem? – O bispo deu um risinho. – E quantos anos o senhor tem agora? Quarenta, talvez?

    – Exato. O velho sorriu enquanto o vento forte continuava a agitar sua batina.

    – Bom, os mansos deveriam herdar a Terra, mas em vez disso ela foi para os jovens: os que têm vocação tecnológica, os que preferem olhar para monitores de vídeo em vez de para a própria alma. Devo admitir que jamais imaginei que teria motivo para me encontrar com o rapaz que lidera essa batalha. Eles o chamam de profeta, o senhor sabe.

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    – No que diz respeito a Vossa Excelência Reverendíssima, não sou um profeta muito bom. Quando perguntei se poderia ter um encontro privado com o senhor e seus colegas, calculei que a chance de aceitarem seria de apenas 20 por cento.

    – Como eu disse aos meus colegas, o devoto sempre pode se beneficiar de ouvir os incrédulos. É escutando a voz do diabo que podemos apreciar melhor a voz de Deus. – O velho sorriu. – Estou brincando, claro. Por favor, desculpe meu senso de humor antiquado. De vez em quando meus filtros falham.

    Em seguida o bispo Valdespino sinalizou adiante.

    – Os outros estão esperando. Por aqui, por favor.

    O objetivo autoproclamado do parlamento era “cultivar a harmonia entre as religiões do mundo, construir pontes entre diversas espiritualidades e celebrar as interseções de todas as crenças”. Uma busca nobre, pensou Kirsch, apesar de vê-la como um exercício vazio: uma procura sem sentido de pontos aleatórios de correspondência entre uma mixórdia de ficções, fábulas e mitos antigos.

    Kirsch olhou para onde iam: uma colossal cidadela de pedra cinza empoleirada na borda de um penhasco íngreme que mergulhava centenas de metros até uma luxuriante tapeçaria de colinas cobertas de florestas. Incomodado com a altura, desviou o olhar do abismo e acompanhou o bispo pelo caminho irregular à beira do penhasco, levando os pensamentos para a reunião que viria.

    Ele tinha pedido uma audiência com três proeminentes líderes espirituais que haviam acabado de participar de uma conferência ali.

    O Parlamento das Religiões do Mundo.

    Desde 1893, centenas de líderes de quase 30 religiões mundiais vinham se reunindo em lugares diferentes, a intervalos de alguns anos, para passar uma semana debatendo sobre suas crenças. Dentre os participantes havia uma variedade de importantes sacerdotes cristãos, rabinos judeus e mulás muçulmanos de todo o mundo, além de pujaris hindus, bhikkus budistas, jainistas, sikhs e outros.

    O objetivo autoproclamado do parlamento era “cultivar a harmonia entre as religiões do mundo, construir pontes entre diversas espiritualidades e celebrar as interseções de todas as crenças”.

    Uma busca nobre, pensou Kirsch, apesar de vê-la como um exercício vazio: uma procura sem sentido de pontos aleatórios de correspondência entre uma mixórdia de ficções, fábulas e mitos antigos.

    Enquanto o bispo Valdespino o guiava pelo caminho, Kirsch olhou para o precipício com um pensamento irônico. Moisés subiu a montanha para aceitar a Palavra de Deus… e eu, para fazer o oposto.

    Sua motivação, como dissera a si mesmo, era cumprir uma obrigação ética, mas sabia que essa visita era alimentada por uma boa dose de orgulho: estava ansioso para sentar-se cara a cara com aqueles clérigos e sentir o prazer de prever seu fim iminente.

    Vocês tiveram sua chance de definir nossa verdade.

    – Olhei o seu currículo – disse o bispo em tom abrupto, virando-se para Kirsch. – Vi que o senhor é cria da Universidade de Harvard.

    – Na graduação. Sim.

    – Sei. Recentemente li que, pela primeira vez na história de Harvard, entre os alunos novos, há mais ateus e agnósticos do que os que se dizem seguidores de alguma religião. Essa é uma estatística bastante reveladora, Sr. Kirsch.

    O que posso dizer?, quis responder Kirsch. Nossos alunos são cada vez mais inteligentes.

    O vento açoitou com mais força quando chegaram à antiga construção de pedra. À luz fraca da entrada do prédio, o ar estava pesado com a fragrância densa de incenso queimando. Os dois homens serpentearam por um labirinto de corredores escuros e os olhos de Kirsch se esforçaram para se acostumar enquanto ele seguia o anfitrião. Por fim chegaram a uma porta de madeira estranhamente pequena. O bispo bateu, abaixou-se e entrou, sinalizando para o visitante acompanhá-lo.

    Em dúvida, Kirsch passou pela soleira.

    Viu-se num aposento retangular cujas paredes altas estavam atulhadas de antigos volumes encadernados em couro. Outras estantes se projetavam das paredes como costelas, intercaladas com aquecedores de ferro fundido que estalavam e sibilavam, dando a fantasmagórica impressão de que a sala estava viva. Kirsch ergueu os olhos para a passarela com parapeito ornamentado que circundava todo o segundo andar. E soube, sem dúvida, onde estava.

    A famosa Biblioteca de Montserrat, constatou, espantado por ter recebido permissão de entrar ali. Segundo boatos, aquela sala sagrada continha textos raros, acessíveis apenas aos monges que tinham dedicado a vida a Deus e estavam isolados naquela montanha.

    – O senhor pediu discrição – disse o bispo. – Este é o nosso local mais privativo. Poucas pessoas de fora já entraram aqui.

    – É um enorme privilégio. Obrigado.

    Kirsch acompanhou o bispo até uma grande mesa de madeira onde dois homens idosos estavam sentados, esperando. O da esquerda parecia desgastado pelo tempo, com olhos exaustos e barba branca emaranhada. Usava um terno preto amarrotado, camisa branca e chapéu de feltro.

    – Este é o rabino Yehuda Köves – disse o bispo. – É um importante filósofo judeu, autor de vários estudos sobre cosmologia cabalista.

    Kirsch apertou educadamente a mão do rabino por cima da mesa.

    – É um prazer conhecê-lo, senhor – cumprimentou. – Li seus livros sobre a Cabala. Não posso dizer que os entendi, mas li.

    Köves assentiu amigavelmente, enxugando os olhos aquosos com o lenço.

    – E aqui – continuou o bispo, indicando o outro homem – está o respeitado allamah Syed al-Fadl.

    O reverenciado erudito muçulmano se levantou e deu um sorriso largo. Era baixo e atarracado, com um rosto jovial que parecia não combinar com os olhos escuros e penetrantes. Vestia um discreto thawb branco.

    – E, Sr. Kirsch, eu li suas previsões sobre o futuro da humanidade. Não posso dizer que concordo com elas, mas li.

    Kirsch deu um sorriso gentil e apertou a mão do sujeito.

    – E, como os senhores sabem – continuou o bispo, dirigindo-se aos dois colegas –, Edmond Kirsch, o nosso visitante, é um respeitado cientista da computação, teórico dos jogos, inventor e uma espécie de profeta do mundo tecnológico. Considerando seu histórico, fiquei perplexo por ele ter pedido um encontro conosco. Portanto agora deixarei que o Sr. Kirsch explique a que veio.

    Com isso o bispo Valdespino sentou-se entre os dois colegas, cruzou as mãos e olhou com expectativa para Kirsch. Os três estavam de frente para ele, como num tribunal, criando um ambiente mais parecido com uma inquisição do que um encontro amigável entre eruditos. Kirsch percebeu que o bispo nem tinha posto uma cadeira para ele.

    Sentiu-se mais admirado do que intimidado enquanto examinava os três homens idosos. Então esta é a Santíssima Trindade que eu requisitei. Os Três Reis Magos.

    Parando um momento para reafirmar seu poder, foi até a janela e olhou a paisagem de tirar o fôlego, lá embaixo. Uma ensolarada colcha de retalhos de antigas terras pastoris se estendia por um vale profundo, dando lugar aos picos serrilhados da Cordilheira de Collserola. Quilômetros além, em algum lugar no Mar das Baleares, nuvens ameaçadoras se reuniam no horizonte.

    Agora que consegui, vim especificamente aos senhores porque acredito que essa informação afetará de maneira profunda os fiéis do mundo todo, possivelmente causando uma mudança que só pode ser descrita como, digamos… demolidora. No momento sou a única pessoa na face da Terra que tem a informação que estou prestes a revelar.

    Adequado, pensou Kirsch, sentindo a turbulência que causaria na sala e no mundo lá fora.

    – Senhores – começou, virando-se abruptamente de volta para eles –, creio que o bispo Valdespino já os colocou a par do meu pedido de segredo. Antes de continuarmos, quero esclarecer que o que vou lhes contar deve ser mantido no mais absoluto sigilo. Dito de modo simples, estou pedindo um voto de silêncio. Estamos de acordo?

    Os três assentiram. Uma concordância tácita que, Kirsch sabia, era provavelmente redundante. Eles vão querer enterrar essa informação, e não divulgá-la.

    – Estou hoje aqui – continuou Kirsch – porque fiz uma descoberta científica que acredito que acharão espantosa. É algo que busquei durante muitos anos, esperando fornecer respostas para duas das perguntas mais fundamentais da experiência humana. Agora que consegui, vim especificamente aos senhores porque acredito que essa informação afetará de maneira profunda os fiéis do mundo todo, possivelmente causando uma mudança que só pode ser descrita como, digamos… demolidora. No momento sou a única pessoa na face da Terra que tem a informação que estou prestes a revelar.

    Kirsch enfiou a mão no bolso do paletó e pegou um smartphone grande – que ele próprio havia projetado e construído para servir às suas necessidades especiais. A capa tinha um mosaico de cor vibrante, e ele posicionou o aparelho diante dos três homens como se fosse uma televisão. Em instantes iria usá-lo para se conectar a um servidor especialmente seguro, digitaria a senha de 47 caracteres e transmitiria para eles sua apresentação.

    – O que os senhores estão prestes a ver – disse – é o esboço de um anúncio que espero compartilhar com o mundo. Dentro de um mês, aproximadamente. Mas antes disso queria consultar alguns dos pensadores religiosos mais influentes do planeta para entender como essa notícia será recebida por aqueles que ela mais afeta.

    O bispo soltou um suspiro alto, parecendo mais entediado do que preocupado.

    – É um preâmbulo intrigante, Sr. Kirsch. O senhor fala como se o que vai nos mostrar fosse capaz de abalar os alicerces das religiões do mundo.

    Kirsch olhou o antigo repositório de textos sagrados. Isso não vai abalar seus alicerces. Vai destruí-los.

    Avaliou os homens à frente. O que eles não sabiam era que em apenas três dias planejava ir a público com aquela apresentação num evento espantoso, meticulosamente coreografado. Quando fizesse isso, as pessoas ao redor do mundo perceberiam que os ensinamentos de todas as religiões tinham de fato uma coisa em comum.

    Estavam completamente errados.

     

    CAPÍTULO 1

    O professor Robert Langdon olhou para o cachorro de 12 metros sentado na praça. O pelo do animal era um tapete vivo de grama e flores perfumadas.

    Estou tentando amar você, pensou. De verdade.

    Refletiu um pouco mais sobre a criatura e depois continuou andando por uma passarela suspensa, descendo por uma ampla escadaria cujos degraus de tamanhos diferentes se destinavam a arrancar o visitante de seu ritmo e das passadas usuais. Missão cumprida, decidiu, quase tropeçando duas vezes nos degraus irregulares.

    Na base da escada parou bruscamente, olhando um objeto enorme.

    Agora vi tudo.

    Uma altíssima viúva-negra se erguia à frente dele, com as finas patas de ferro sustentando o corpo volumoso a pelo menos nove metros de altura. Da barriga da aranha pendia um saco de ovos feito de tela de arame, cheio de globos de vidro.

    – O nome dela é Mamãe – disse uma voz.

    Langdon baixou o olhar e viu um homem magro parado embaixo da aranha. Ele usava um casaco indiano de brocado preto e tinha um bigode enrolado para cima, quase cômico, estilo Salvador Dalí.

    – Meu nome é Fernando – continuou ele – e estou aqui para lhe dar as boas-vindas ao museu. – O homem olhou para uma fileira de crachás na mesa à frente. – Poderia me dizer seu nome, por favor?

    – Certamente. Robert Langdon.

    Os olhos de Fernando se ergueram de novo, bruscamente.

    – Ah, sinto muito! Não o reconheci, senhor!

    Eu mesmo mal me reconheço, pensou Langdon, avançando rigidamente com sua gravata-borboleta branca, a casaca preta e o colete branco. Estou parecendo um almofadinha. A casaca clássica de Langdon tinha quase 30 anos, preservada desde os dias do Ivy Club em Princeton. Mas, graças à fiel rotina de natação diária, a roupa ainda servia bastante bem. Na pressa para fazer as malas tinha pegado a sacola errada no armário, deixando para trás o smoking usual.

    – O convite recomendava traje a rigor, preto e branco – disse Langdon. – Imagino que a casaca seja apropriada, não?

    – Casacas são clássicas! O senhor está muito vistoso! – O homem se aproximou rapidamente e prendeu um crachá na lapela de Langdon. – É uma honra conhecê-lo. Sem dúvida já nos visitou antes, não é?

    Langdon olhou através das patas da aranha para o prédio reluzente diante deles.

    – Na verdade fico sem graça em dizer, mas nunca estive aqui.

    – Não! – O homem fingiu desmaiar. – O senhor não é fã de arte moderna?

    Langdon sempre havia gostado do desafio da arte moderna, principalmente de explorar o motivo para determinadas peças serem saudadas como obras- -primas: as pinturas de tinta espirrada de Jackson Pollock; as latas de sopa Campbell de Andy Warhol; os retângulos de cor de Mark Rothko. Mesmo assim ficava muito mais confortável discutindo o simbolismo religioso de Hieronymus Bosch ou as pinceladas de Francisco de Goya.

    – Sou mais classicista – respondeu. – Costumo me sair melhor com Da Vinci do que com De Kooning.

    – Mas Da Vinci e De Kooning são tão semelhantes!

    Langdon sorriu, paciente.

    – Então, sem dúvida, preciso aprender um pouco sobre De Kooning.

    – Bom, então veio ao lugar certo! – O homem ergueu o braço na direção do edifício enorme. – Neste museu o senhor vai encontrar uma das melhores coleções de arte moderna da Terra! Espero que goste.

    – É o que pretendo – respondeu Langdon. – Só gostaria de saber por que estou aqui.

    – O senhor e todo mundo! – O homem sorriu alegremente, balançando a cabeça. – O seu anfitrião foi muito sigiloso quanto ao objetivo do evento desta noite. Nem mesmo os funcionários do museu sabem o que vai acontecer. O mistério é parte da diversão: os boatos correm à solta! Há várias centenas de convidados lá dentro, na maioria rostos famosos, e ninguém tem nenhuma ideia do que está na programação desta noite!

    Langdon suspeitava que a incrível capacidade de prognósticos de Edmond resultava de seu conhecimento espantosamente amplo do mundo. Desde que podia recordar, o sujeito havia sido um bibliófilo insaciável: lia tudo o que  estivesse ao seu alcance. A paixão pelos livros e sua capacidade de absorver os conteúdos ultrapassavam tudo o que Langdon jamais havia testemunhado.

    Agora Langdon riu. Muito poucos anfitriões teriam a bravata de enviar convites de última hora dizendo essencialmente: Sábado à noite. Esteja lá. Confie em mim. E um número ainda menor seria capaz de convencer centenas de pessoas importantes a largar tudo e viajar para o norte da Espanha para comparecer ao evento.

    Langdon saiu de baixo da aranha e continuou pelo caminho, olhando um enorme estandarte vermelho que se enfunava no alto.

    UMA NOITE COM

    EDMOND KIRSCH

    Sem dúvida, Edmond nunca sofreu de falta de confiança, pensou, achando divertido.

    Cerca de 20 anos antes, Eddie Kirsch tinha sido um dos primeiros alunos de Langdon na Universidade de Harvard – um gênio da informática com cabelos de esfregão, cujo interesse por códigos o levou a fazer um curso com Langdon no primeiro ano: Códigos, Cifras e a Linguagem dos Símbolos. A sofisticação do intelecto de Kirsch impressionou profundamente o professor, e ainda que o jovem tivesse abandonado o poeirento mundo da semiótica em troca da promessa luminosa dos computadores, ele e Langdon haviam desenvolvido um elo entre aluno e professor que os manteve em contato durante as duas últimas décadas, desde a formatura de Kirsch.

    Agora o aluno suplantou o professor, pensou Langdon. Em vários anos-luz.

    Hoje em dia Edmond Kirsch era um pensador independente, de fama mundial: cientista de computadores, futurólogo, inventor e empreendedor bilionário. Aos 40 anos, era pai de uma variedade espantosa de tecnologias avançadas que representavam saltos importantes em campos diversos como robótica, ciência do cérebro, inteligência artificial e nanotecnologia. E as previsões acuradas sobre futuros progressos científicos haviam criado uma aura mística ao seu redor.

    Langdon suspeitava que a incrível capacidade de prognósticos de Edmond resultava de seu conhecimento espantosamente amplo do mundo. Desde que podia recordar, o sujeito havia sido um bibliófilo insaciável: lia tudo o que  estivesse ao seu alcance. A paixão pelos livros e sua capacidade de absorver os conteúdos ultrapassavam tudo o que Langdon jamais havia testemunhado.

    Nos últimos anos Kirsch vivia principalmente na Espanha, e atribuía essa escolha a um contínuo caso amoroso com o charme de mundo antigo do país, com a arquitetura de vanguarda, os bares e o clima perfeito.

    Uma vez por ano, quando Kirsch voltava a Cambridge para falar no Media Lab do MIT, Langdon fazia uma refeição com ele num dos novos lugares da moda, do qual nunca tinha ouvido falar. As conversas nunca eram sobre tecnologia; Kirsch só queria falar com Langdon sobre arte.

    – Você é minha conexão com a cultura, Robert – Kirsch costumava brincar. – Você é meu bacharel particular, um sujeito que só se casou com as artes!

    A cutucada brincalhona no estado civil de Langdon era particularmente irônica vinda de um colega solteirão que denunciava a monogamia como “uma afronta à evolução” e fora fotografado com uma enorme variedade de supermodelos no decorrer dos anos.

    Kirsch costumava mandar e-mails para Langdon, pedindo conselho sobre novas obras que estava avaliando para sua coleção. E depois fazia exatamente o oposto do aconselhado.

    Considerando a reputação de Kirsch como inovador na ciência da computação, seria fácil imaginá-lo como um geek com a camisa abotoada até o colarinho. Mas em vez disso ele havia se tornado um moderno ícone pop que circulava entre celebridades, vestia-se nos estilos mais atuais, ouvia música underground desconhecida e colecionava uma infinidade de caríssimas obras de arte impressionistas e modernas. Kirsch costumava mandar e-mails para Langdon, pedindo conselho sobre novas obras que estava avaliando para sua coleção.

    E depois fazia exatamente o oposto do aconselhado.

    Cerca de um ano antes ele tinha surpreendido Langdon perguntando não sobre arte, mas sobre Deus – um assunto estranho para quem se proclamava ateu. Diante de um prato de costeletas no Tiger Mama de Boston, fez indagações detalhadas sobre as crenças básicas de várias religiões mundiais, em particular sobre as diferentes histórias da Criação.

    Langdon lhe deu uma visão geral sólida sobre as crenças atuais, desde a narrativa do Gênesis compartilhada pelo judaísmo, o cristianismo e o islamismo até a história hindu de Brama, o conto babilônico de Marduk e outras.

    – Estou curioso – disse Langdon enquanto saíam do restaurante. – Por que um futurólogo se interessa tanto pelo passado? Quer dizer que nosso famoso ateu finalmente encontrou Deus?

    Edmond riu alto.

    – Pode sonhar! Só estou avaliando minha concorrência, Robert.

    Langdon sorriu. Típico.

    – Bom, ciência e religião não competem, são duas linguagens diferentes tentando contar a mesma história. Neste mundo há espaço para as duas.

    Depois desse encontro, Edmond ficou sem fazer contato por quase um ano. E então, do nada, três dias antes, Langdon recebeu um envelope da FedEx com uma passagem de avião, uma reserva de hotel e um bilhete escrito à mão insistindo que ele fosse ao evento dessa noite. Dizia: Robert, seria importantíssimo para mim que você, especialmente, pudesse comparecer. Suas ideias durante nossa última conversa ajudaram a tornar essa noite possível.

    Langdon ficou pasmo. Nada naquela conversa parecia nem de longe relevante para um evento apresentado por um futurólogo.

    O envelope continha ainda uma imagem em preto e branco de duas pessoas frente a frente. Kirsch tinha escrito um pequeno poema para Langdon.

    Robert,

    Quando estivermos cara a cara,

    revelarei o vazio que nos separa.

    – Edmond

    Capturar
    (Reprodução/Reprodução)

     

    Langdon sorriu ao ver a imagem: uma inteligente alusão a um episódio em que estivera envolvido anos antes. A silhueta de um cálice, ou Graal, revelada no espaço vazio entre os dois rostos.

    Agora Langdon estava diante desse museu, ansioso para saber o que seu ex-aluno iria anunciar. Uma brisa suave agitava as abas da casaca enquanto ele andava pelo caminho de cimento à margem do sinuoso Rio Nervión, que já fora a principal artéria de uma próspera cidade industrial. O ar tinha um vago cheiro de cobre.

    Enquanto virava uma esquina, Langdon finalmente se permitiu olhar o museu enorme e reluzente. Era impossível captar toda a estrutura de uma vez. Por isso seu olhar ia e voltava por toda a extensão daquelas formas bizarras, alongadas.

    Este edifício não viola simplesmente as regras, pensou. Ele as ignora por completo. É um local perfeito para Edmond.

    O Museu Guggenheim de Bilbao, na Espanha, parecia algo saído de uma alucinação alienígena: uma colagem rodopiante de formas metálicas retorcidas que pareciam ter sido encostadas umas nas outras de modo quase aleatório. Estendendo-se até a distância, a massa caótica era coberta por mais de 30 mil placas de titânio que brilhavam como escamas de peixe e davam à estrutura uma sensação ao mesmo tempo orgânica e extraterrestre, como se um leviatã futurista tivesse se arrastado da água para tomar sol à margem do rio.

    Quando o edifício foi inaugurado em 1997, a revista The New Yorker saudou seu arquiteto, Frank Gehry, como tendo desenhado “um fantástico navio de sonho, de formas onduladas, sob uma capa de titânio”, e outros críticos alardearam: “O edifício mais incrível do nosso tempo!”, “Brilho mercurial!”, “Espantoso feito arquitetônico!”.

    Desde a inauguração do museu, dezenas de outros edifícios “desconstrutivistas” tinham sido erguidos: o Walt Disney Concert Hall em Los Angeles, o BMW World em Munique e até a nova biblioteca da universidade de Langdon. Cada 22 um desses tinha projeto e construção que fugiam radicalmente das convenções, no entanto Langdon duvidava que algum deles pudesse competir com o Guggenheim de Bilbao por sua pura capacidade de chocar.

    Enquanto Langdon se aproximava, a fachada coberta de placas parecia se alterar a cada passo, oferecendo uma nova personalidade de cada ângulo. Agora a ilusão mais dramática do prédio ficava visível. Incrivelmente, a partir dessa perspectiva, a estrutura colossal parecia literalmente flutuar acima da água, à deriva num vasto lago de “horizonte infinito” cujas ondas fracas batiam contra as paredes externas do museu.

    Agora, atravessando a névoa, seguiu até a entrada do museu – um agourento buraco negro na estrutura reptiliana. À medida que se aproximava, teve a sensação inquietante de entrar na boca de um dragão.

    Langdon parou um momento para se maravilhar com esse efeito e depois começou a atravessar o lago pela ponte minimalista que fazia um arco sobre a água. Estava na metade do percurso quando um sibilo alto o espantou. O som emanava de baixo dos seus pés. Parou justo quando uma nuvem em redemoinho começou a sair de baixo da passarela. O denso véu de névoa subiu ao redor e se espalhou pelo lago, rolando na direção do museu e engolfando a base de toda a estrutura. A Escultura de Névoa, pensou.

    Tinha lido sobre essa obra da artista japonesa Fujiko Nakaya. A “escultura” era revolucionária por ser construída com o ar visível, uma parede de neblina que se materializava e se dissipava com o passar do tempo; e como as brisas e as condições atmosféricas jamais eram idênticas de um dia para o outro, a obra era diferente a cada vez que aparecia.

    A ponte parou de sibilar e Langdon viu a parede de névoa se acomodar em silêncio sobre o lago, fazendo redemoinhos e se arrastando como se tivesse vontade própria. O efeito era ao mesmo tempo etéreo e desorientador. Todo o museu parecia pairar sobre a água, repousando sem peso numa nuvem – um navio fantasma perdido no mar.

    Justo quando Langdon ia andar de novo, a superfície plácida da água foi despedaçada por uma série de pequenas erupções. De repente cinco colunas de fogo dispararam para o alto, saindo do lago, trovejando como foguetes que rasgavam o ar enevoado e lançavam brilhantes jorros de luz nas placas de titânio do museu.

    O gosto arquitetônico de Langdon tendia mais para o estilo clássico de museus como o Louvre ou o Prado. Mas, olhando a névoa e as chamas pairarem sobre o lago, não conseguia pensar num local mais perfeito do que esse museu ultramoderno para um evento programado por um homem que amava a arte e a inovação e que vislumbrava o futuro com tanta clareza.

    Agora, atravessando a névoa, seguiu até a entrada do museu – um agourento buraco negro na estrutura reptiliana. À medida que se aproximava, teve a sensação inquietante de entrar na boca de um dragão.”

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