Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Imagem Blog

Agro Global

Por Marcos Jank Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Análises exclusivas sobre agronegócio, comércio e sustentabilidade pelo professor Marcos Jank e equipe do centro "Insper Agro Global" e convidados.

Aquisição de terras por estrangeiros: investimentos e geração de renda

O agronegócio brasileiro precisa de capital de longo prazo para crescer, mas o próprio setor o rejeita. Nossos concorrentes vão utilizá-lo e expandir

Por Marcos S. Jank, André Pessôa e Renato Buranello (*)
Atualizado em 30 dez 2020, 15h48 - Publicado em 30 dez 2020, 10h14

Mais uma vez volta à baila a discussão sobre estrangeiros poderem adquirir, ou mesmo simplesmente utilizar (via arrendamento), terras rurais brasileiras. É um tema recorrente, que dá as caras de tempos em tempos, formando uma novela interminável e irracional.

Desta vez o tema ressurge com o PL 2.963/2019, em discussão no Congresso Nacional, que “ameaça” flexibilizar mais uma vez a possibilidade de estrangeiros terem propriedade ou posse das nossas terras.

Essa tem sido uma trajetória de idas e vindas desde o início dos anos 70, inaugurada com a Lei 5.709/71, que impôs restrições aos estrangeiros, depois complementada por outras leis e “reinterpretada” por sucessivos pareceres da Advocacia Geral da União (AGU), ora flexibilizando e ora restringido, sendo que o último deles, de 2010, impôs restrições bastante severas à propriedade e posse de terras por estrangeiros, mesmo quando operando no país mediante empresas nacionais, com CNPJ nacional.

O atual PL em discussão propõe nova flexibilização, basicamente permitindo a propriedade e posse por empresas estrangeiras autorizadas a operar no Brasil ou por empresas nacionais detidas por estrangeiros, mas com as mesmas limitações por município que a lei de 1971 já estipulava (1/4 da área do município, sendo no máximo 10% para pessoas da mesma nacionalidade). Adicionalmente, para certos casos será necessária a aprovação do Conselho de Defesa Nacional (CDN), em especial para a aquisição por certos tipos de ONG, Fundações externas, fundos soberanos e empresas estatais estrangeiras. Há, ainda, restrições quando se tratar de Bioma Amazônico e faixas de fronteira. Em outros casos também se prevê a necessidade de aprovação pelo Congresso Nacional, o que, além de extremamente moroso e complicado, eleva o receio do surgimento de burocracias intermináveis e cartórios.

De toda forma, trata-se de flexibilização não tão radical e, como se vê, cercada de cuidados para com os temas mais sensíveis. Mesmo assim, nota-se, como também já ocorreu no passado, surgir a gritaria dos inconformados com esse projeto fundamentado nos princípios constitucionais da atividade econômica: propriedade privada, livre concorrência, liberdade de mercado e livre iniciativa. As críticas, mais uma vez, vêm sobretudo dos setores à esquerda e – por incrível que pareça – de parte de importantes lideranças ruralistas, que hoje se alinham contra o livre mercado, outrora arduamente defendido pelo setor.

Continua após a publicidade

No caso dos setores à esquerda, provavelmente as críticas decorrem do simples fato de que o projeto se fundamenta na liberdade de mercado e iniciativa. Adiciona-se a isso a falsa ideia de que a maior procura por terra (agora por estrangeiros) pode provocar a “expulsão” de inúmeros pequenos produtores, muitos dos quais já vivem em condições precárias e de subsistência. Parece incrível que um processo de entrada de capital no setor para aquisição de terras que jamais sairão de onde estão, e que irão provavelmente valer mais, possa prejudicar o pequeno produtor, que, aliás, tem o livre arbítrio de fazer o que quiser com suas terras.

Também são comuns, nos grupos de esquerda, críticas associadas ao risco de perda de soberania e ao possível desrespeito a exigências ambientais e trabalhistas. Entretanto, essas importantes questões não são determinadas por quem controla o ativo terra, mas sim pela capacidade de impor a quem o detém o ordenamento nacional, amplamente protetivo dos recursos naturais e dos direitos sociais, sem qualquer distinção entre brasileiros e estrangeiros ou benesse a estes.

Já no caso de alguns dos ruralistas, há os que veem a aquisição de terras por estrangeiros como uma ação antipatriótica que afronta a soberania nacional, apesar dos vários mecanismos de controle do projeto. Sobre esse ponto, aliás, vale lembrar a ironia de negar a própria origem do sucesso do agro nacional. Nossos produtores são quase todos filhos, netos e bisnetos de estrangeiros que aqui encontraram terras para adquirir e trabalhar e ajudaram assim a construir uma história de enorme sucesso. Desde o século XIX, o principal capital estrangeiro do agronegócio brasileiro foram os agricultores “gringos”’ acolhidos no país, que puderam realizar seus sonhos ajudando a transformar o Brasil num celeiro do mundo. Por exemplo, a possibilidade de vender terras no Sul e comprar lotes maiores no centro-oeste foi um fator absolutamente determinante para a incrível transformação tecnológica e social da agricultura brasileira, por meio da qual migrantes que chegaram pobres da Europa e da Ásia, para trabalhar como colonos no Sul e Sudeste do País, se transformaram nos grandes produtores que fizeram a revolução tropical agrícola brasileira.

Continua após a publicidade

Há, ainda, produtores mais capitalizados que buscam expansão “barata”, para a qual é conveniente que haja pouca concorrência na aquisição e arrendamento de terras, mantendo preços mais baixos do que seriam num cenário de demanda (por terras) fortalecida pela competição de capitais estrangeiros.

Enfim, como esses grupos são todos bastantes vocais e organizados, possivelmente a tendência será, mais uma vez, o projeto de flexibilização naufragar. Contudo, vale a pena refletir sobre quem serão os “perdedores” caso este naufrágio venha a ocorrer: é principalmente o próprio país, que abrirá mão de um capital saudável, pois de longo prazo e voltado à produção, gerando empregos, renda e impostos, além da evidente contribuição do capital estrangeiro para a melhoria dos padrões de ESG no agronegócio brasileiro, pois a maioria destes investidores está sujeita a critérios rígidos de investimento nas áreas ambiental, social e de governança corporativa.

Na impossibilidade de ser investido no Brasil, país onde provavelmente faz mais sentido a alocação, esse capital poderá se direcionar a países que serão futuros concorrentes do Brasil, minando vantagens comparativas que hoje possuímos. Um capital que, na forma de financiamentos – que requerem a possibilidade de constituição de garantias imobiliárias com segurança jurídica -, pode ajudar muitos dos pequenos e médios produtores a expandir e intensificar suas operações. E, ainda, um capital que, ao permitir a operação de seus players nacionais, pode contribuir para a redução do protecionismo viesado imposto por países do primeiro mundo, preocupados com a ameaça que significa nossa produtiva e pujante agropecuária tropical.

Continua após a publicidade

Contudo, como de costume, a maioria de agentes econômicos dispersos e desorganizados não tem voz nem capacidade de fazer frente aos interesses de grupos organizados. E assim, mais uma vez, uma boa ideia que ajudaria o setor a crescer e se capitalizar poderá ser descartada.

Sobre os autores:

  • Marcos S. Jank – Professor de agronegócio global do Insper.
  • André Pessôa – Socio fundador da Agroconsult.
  • Renato Buranello – Sócio do escritório VBSO Advogados e fundador do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA).
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.