Os segredos dos vinhos preferidos pelos millennials
Como o mercado vem se adaptando ao gosto da geração de novos consumidores que desejam brindar de forma mais saudável e sem peso na consciência
Eis aqui um dos grandes dilemas atuais do mercado de vinhos: como uma das bebidas mais tradicionais da história pode se adaptar à receita dos novos tempos, ditada por pessoas que querem brindar de forma mais saudável e sem culpa na consciência? Trata-se de um desafio considerável, mas muitos produtores conseguem hoje dar uma resposta à altura dele fazendo vinhos de baixa intervenção. Como resultado desse esforço, vêm conseguindo garantir o interesse e a fidelidade de jovens consumidores — em especial, os millennials, a primeira geração a se mostrar explicitamente sensível a tais questões, bem antes até do que a sueca Greta Thunberg. Na casa dos trinta e poucos anos, grande parte dos millennials também já têm cacife financeiro para bancar seus gostos, mesmo que isso implique em pagar um pouco mais por um produto feito com cuidados especiais.
Mas o que seriam vinhos de baixa intervenção? Grosso modo, como o próprio nome diz, são rótulos feitos de forma mais natural possível, com uma receita radical em busca dessa pureza, tentando eliminar ao máximo ajustes artificiais. Para começo de conversa, obviamente, nesse tipo de cultura estão descartadas o uso de venenos na plantação ou de produtos enológicos cheios de química para fazer correção do mosto, o suco espremido das uvas que se tornará vinho. Mas estamos falando aqui apenas da regra básica, já que o conceito de baixa intervenção vai muito além disso. Não basta ser “apenas” orgânico ou ostentar o selo de vegano para comunicar que não utilizam clara de ovo para filtragem final que remove os resíduos resultantes de todo processo de vinificação.
Segundo o chileno Carlos Meza, enólogo da La Prometida, uma respeitada vinícola familiar na zona central do Chile, a agricultura orgânica é a base para a produção de rótulos de baixa intervenção, mas o processo envolve outros cuidados bem específicos. “Um exemplo é a regra de não estressar as plantas para que elas produzam mais do que a sua natureza” afirmou ele à coluna. No sistema de baixa intervenção, são admitidos apenas ajustes mínimos, como o acréscimo de sulfito para conservar e proteger a uva dos processos utilizados durante a vinificação, a exemplo do envelhecimento em carvalho ou em concreto. Meza esteve recentemente no Brasil para o lançamento de duas linhas, Revoltosa e Dichosa, que chegam ao país trazidas pela Berkmann Wine Cellars, ambas produzidas com esse princípio.
A sustentabilidade da vinícola e o comércio justo com pequenos produtores, de quem compram as uvas, também fazem parte dos princípios nesse tipo de trabalho. O resultado da produção com uvas como País, Barbera, Nebbiolo, Syrah e Moscatel são vinhos jovens, vibrantes e descomplicados, nos quais a fruta é a protagonista. “É algo novo, muito focado nos novos consumidores, que estão mais interessados nesse tipo comunicação, na qualidade do produto, e menos nas características geológicas de solo”, afirmou o enólogo.
Especialistas como José Eduardo Barbosa, sommelier sênior da Berkmann Wines, apontam outras características importantes desses vinhos, como o fato de serem capazes de fazer saltar ao paladar a tipicidade do terroir. “É algo que tem tido bastante procura”, afirmou ele à coluna. O Nebbiolo jovem, com pouquíssima madeira, é sem dúvida bastante diferente de seus pares italianos. No Chile, esse tipo de produção tem muito sucesso porque a região possui barreiras naturais que ajudam na sanidade do vinhedo. “O Atacama ao norte, as Cordilheiras e o mar resguardam a região de alguns fungos, evitando-se assim a necessidade de pesticidas. Esse tipo de produção ainda é inviável no sul do Brasil, por exemplo, onde chove muito”, contou Barbosa.
Essa procura por produtos sustentáveis começou a ganhar grande apelo entre o público de até 35 anos, repetindo o sucesso que os rótulos do tipo já fazem nas regiões da Borgonha e de Bordeaux, nas quais os vinhos feitos com pouca interferência, respeitando o tempo da natureza e sem aditivos, há tempos são muito apreciados, mesmo sem ostentarem selo algum das mais conhecidas avaliações de especialistas.
É verdade que entre os bebedores mais tradicionais ainda há barreiras para o consumo desse tipo de produto. Esse público acredita que vinhos naturais são sinônimo de vinhos com defeito. Mas é verdade também que os responsáveis pelo incensado Romanée-Conti usam desde 2008 agricultura biodinâmica, que respeita os ciclos da natureza. Além disso, o sistema de cultivo dele é orgânico e o produto tem pouquíssima intervenção humana. É talvez o maior exemplo de vinho estrelado de baixa intervenção. Ou seja, não faltam motivos hoje para erguer a ele um brinde extra.