Muitas páginas foram escritas e lidas atestando que, com a presidência Trump, a democracia havia morrido ou iria morrer em breve. Hoje Joe Biden tomou posse e ninguém fala mais nisso. Trata-se de um fenômeno inacreditável, algo tão antigo, sedimentado e denso como uma democracia morrera em quatro anos ou menos e ressuscitara em apenas um dia. Obviamente isso não faz o menor sentido, deve haver outra explicação e ela pode estar no fenômeno das diferentes percepções de mundo causadas pela partidarização.
A grande maioria dos que afirmaram a morte da democracia eram ferrenhos opositores de Trump. Não há mal nenhum em ter posição política, o problema começa quando ela tem impacto forte e decisivo na análise das instituições. A argumentação daqueles que vislumbraram (erradamente) o fim da democracia lançou mão de um novo tipo de autoritarismo, o perpetrado por meio das instituições democráticas, o exemplo mais comum disto foi a Hungria de Viktor Orbán. É verdade que lá o parlamento húngaro aprovou leis que restringiram as liberdades democráticas. Porém, os defensores da tese do fim da democracia nos Estados Unidos (EUA) de Trump nunca conseguiram mencionar uma lei sequer, aprovada pelo Congresso, que tivesse restringido a democracia. Mesmo assim eles continuaram confundindo sua oposição a Trump com a análise das instituições.
É difícil opor-se a modismos. Quando muitas pessoas com acesso a mídias influentes passam a dizer que a democracia está morrendo, fundamentados apenas nos discursos de um presidente da república, ir contra isso torna-se praticamente um ato antipático, de marcação de posição. É mais fácil aderir às análises e conclusões catastrofistas (e erradas). Aqueles que afirmam e preveem catástrofes nunca são cobrados quando erram. Simplesmente esquecem o que disseram e reincidem no erro do pessimismo. Eles não percebem que a tendência de longo prazo da humanidade é na direção de melhorias, e não das pioras.
O início da presidência de Joe Biden apenas relembra o absurdo que foi afirmar a morte da democracia. Ela nem morreu com Trump, tampouco renasceu com Biden. A democracia sempre esteve aí firme e forte. Talvez a dificuldade de notar a sua presença tenha ocorrido em função de um nevoeiro, uma névoa de palavras emitidas por um presidente de fora do sistema, que nunca teve os meios para se manter no poder a não ser pelo voto.