Toda semana há anúncios de que, agora sim, quase dois anos depois da posse, o governo federal se engajará vigorosamente no processo de contenção do gasto público. No dia 15 de outubro, Simone Tebet declarou ter “chegado a hora da revisão estrutural de gastos”. A ausência de medidas nesse sentido não impediu novo aviso, no dia 22, do envio “em breve” de um “pacote de contenção”. Já no dia 28, ela reforçou a promessa, dizendo “não existir o social sem o fiscal”, ressalvando que eventuais economias não se destinarão ao superávit, mas “aos investimentos necessários”.
Se dependêssemos de promessas da ministra, nossas contas já seriam superavitárias e a dívida pública estaria em trajetória decrescente. Devaneios à parte, porém, as chances de qualquer ajuste significativo de despesas, mesmo com o fim de destinar recursos a investimentos maiores, são extraordinariamente remotas.
Não apenas pela dificuldade intrínseca ao tema, dado que muitas das medidas mapeadas por quem trata o assunto a sério requerem mudanças constitucionais, mas principalmente porque não há o menor apetite por parte do comando político do país pela redução do gasto, muito pelo contrário.
Na contramão do ciclo tradicional, que aponta para certa restrição fiscal no início do mandato, a fim de criar um espaço para maiores despesas no ano eleitoral, o governo Lula começou a dança com o pé trocado, promovendo o maior aumento de gastos da história, exceto pelo período da pandemia. O volume de transferências a famílias (incluindo Previdência, Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, seguro-desemprego etc.) bateu todos os recordes, turbinando o consumo, apesar das juras do ministro da Fazenda garantindo não haver estímulo fiscal para tanto.
“O jogo de cena dos ministros Tebet e Haddad não prenuncia nenhuma mudança séria na política fiscal”
Com isso, a atividade acelerou e o desemprego atingiu níveis comparáveis apenas aos observados em 2014. Tal fenômeno está diretamente ligado à inflexão da inflação, que ameaça romper o teto da meta neste ano, motivando assim o aumento das taxas de juros. Ação, diga-se, sancionada inclusive pelos diretores do BC indicados por Lula. A elevação da Selic, que deve continuar ainda até o final de 2024 e início de 2025, tem como objetivo atuar na direção oposta ao impulso proveniente dos gastos federais, moderando a expansão do consumo, com possíveis efeitos sobre o desemprego.
No contexto, todavia, da eleição presidencial já em 2026 — e à luz da fragorosa derrota do PT nas eleições municipais —, é muito difícil que o presidente, para se reeleger, ou para fazer seu sucessor, vá assistir de braços cruzados a ações que possam levar ao aumento do desemprego.
Seja pela pressão sobre o novo presidente do BC, seja pela atuação direta do Tesouro Nacional sobre os gastos, em particular aqueles que estimulam ainda mais o consumo, a administração deve lutar para manter a economia aquecida, de modo a facilitar seu projeto de poder.
Contra esse pano de fundo, fica claro que propostas de contenção de gastos, além de juridicamente complexas, são ainda politicamente custosas. O jogo de cena da ministra, assim como o de Fernando Haddad, se encaixa, portanto, na homenagem que o vício presta à virtude, mas não prenuncia nenhuma mudança séria nos rumos da política fiscal.
Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2024, edição nº 2917