Quem, como eu, curte quadrinhos deve conhecer Calvinbol, jogo inventado pelo próprio Calvin (com o auxílio luxuoso de Hobbes/Haroldo), famoso por não ter regra alguma e, consequentemente, levar a resultados imprevisíveis, embora sempre hilários.
A ausência de regras, engraçada nas tirinhas, perde esta qualidade quando aplicada à vida real. Economistas há décadas chamam atenção para o papel central das instituições. Nomes como Douglass North, Ronald Coase, Oliver Williamson e Elinor Ostrom, todos agraciados com o Nobel de Economia, foram os pioneiros do campo, onde hoje sobressai Daron Acemoglu, um dos principais teóricos do desenvolvimento.
Não cabe aqui descrever toda a sua contribuição. Todavia, um traço comum a esses estudiosos é a ênfase no impacto das instituições — leis, costumes, convenções etc. — no comportamento econômico.
Um exemplo comum é o direito à propriedade. Onde é mal definido, mercados não funcionam a contento. Se alguém tem dificuldade de estabelecer que determinado produto é seu, como vendê-lo? Como comprar alguma coisa cuja posse pode ser questionada no instante posterior à sua aquisição?
Instituições impõem restrições ao comportamento das pessoas, tanto na vida em geral, como em seu aspecto econômico. Há aquelas que favorecem a atividade econômica; outras, menos. De qualquer forma, porém, indivíduos tomam suas decisões tendo como pano de fundo o ambiente institucional onde operam, e o resultado delas, por exemplo, quanto crescemos, ou como será a distribuição daquilo que foi produzido, decorre em larga medida de tal ambiente.
“Se regras do jogo são alteradas ao sabor das conveniências, não há planejamento que sobreviva”
Dado um arranjo, podemos esperar certos padrões. O trabalho de Acemoglu chama atenção para a diferença entre instituições inclusivas, que dão maior ênfase à concorrência como forma de acumulação de riqueza, e extrativas, que permitem mecanismos de extração de renda do resto da sociedade (subsídios, proteção contra concorrência, acesso privilegiado a crédito) como o principal núcleo da atividade econômica. De acordo com ele, o primeiro tipo leva à inovação como principal meio de enriquecimento e, assim, ao crescimento forte e sustentável, enquanto no segundo caso o desenvolvimento, cedo ou tarde, esbarra na “armadilha da renda média”.
A instabilidade das instituições, por essa ótica, é um problema gigantesco. Se regras do jogo são alteradas ao sabor das conveniências políticas, não há planejamento econômico que sobreviva. O resultado é baixo investimento, pouca inovação e, consequentemente, desempenho econômico sofrível, quando não muito ruim.
O Brasil nunca foi um Éden institucional, com regras do jogo bem definidas, mas o grau de desarranjo que atingimos nos últimos anos supera com folga qualquer instabilidade anterior. O comportamento pouquíssimo transparente do STF, em particular, contribui bem mais do que seria saudável para a bagunça institucional que experimentamos, como fica evidente no conjunto de decisões monocráticas emanadas da Corte.
Sem a autocontenção do STF será muito difícil criar um ambiente que nos leve ao crescimento necessário. Deixamos de ser o país do futebol para ser o paraíso do Calvinbol.
Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909