Entre os muitos milagres econômicos que o Brasil deixou de experimentar, a integração comercial é talvez o mais frustrante. Não por falta de exemplos ou de oportunidade, mas por insistência teimosa em manter uma estrutura disfuncional que protege setores ineficientes, penaliza consumidores e isola a economia das cadeias globais de valor.
O estudo Integração Comercial Internacional do Brasil, recém-publicado pelo CDPP (de cuja diretoria faço parte), coordenado por Daniel Gleizer, mostra com clareza cirúrgica que o Brasil é, ainda hoje, uma das economias mais fechadas do mundo.
A soma das exportações e importações se encontra ao redor de 40% do PIB. Para efeito de comparação, a média da OCDE supera 70%. A tarifa média de importação no Brasil, cerca de 13%, é mais que o dobro daquela praticada pelos países desenvolvidos — e isso sem considerar o emaranhado de barreiras não tarifárias, exigências técnicas, licenças e demais obstáculos burocráticos que fazem da simples importação um jogo de paciência.
“O ‘tarifaço’ poderia ser o catalisador de uma mudança radical, de abertura do Brasil ao comércio”
O resultado é um setor produtivo condenado a operar em pequena escala, com insumos caros, tecnologia defasada e produtividade pífia. Nossa indústria de transformação, em vez de motor do crescimento, virou uma carroça puxada por subsídios, proteção e choro regulamentar. O protecionismo, longe de ser uma ferramenta transitória de desenvolvimento, é uma política de Estado — e das mais regressivas. Penaliza os mais pobres, que pagam mais caro por produtos básicos, e recompensa o rentismo setorial, que prospera à sombra da ausência de competição.
Enquanto isso, o Brasil permanece amarrado a um Mercosul disfuncional, incapaz de fechar acordos comerciais relevantes. O tratado com a União Europeia empaca há décadas. O país está fora dos grandes blocos modernos de comércio, como o CPTPP, e sequer integra o acordo de compras governamentais da OMC, que abriria mercados para nossas empresas competentes — porque, sim, elas existem, apesar do ambiente hostil.
Exportamos, com raras e honrosas exceções, o que a natureza nos deu: soja, minério, carne. Nada contra, mas países que crescem com consistência exportam tecnologia, conhecimento e escala. Se isso pudesse ser adquirido por meio de proteção do mercado doméstico contra a competição internacional o Brasil seria o líder da economia global; nossa posição irrelevante sugere que o caminho das últimas muitas décadas não nos levará a Shangri-lá.
A conclusão do estudo é cristalina: sem abrir a economia, o Brasil continuará condenado ao baixo crescimento. Isso exige mais do que coragem retórica. Requer enfrentar lobbies, desmanchar privilégios e negociar acordos que obriguem o país a ser mais competitivo, não mais fechado. Os eventos recentes, em particular o “tarifaço”, poderiam ser os catalisadores para uma mudança radical nos rumos da integração comercial, sem nos descuidarmos — como explorado no estudo — de políticas compensatórias para aqueles negativamente afetados.
Mas isso parece ser pedir demais. A julgar pelas prioridades em Brasília, o que há de mais urgente nesse front é a próxima viagem da comitiva presidencial. Sobre integração real, seguimos praticando nossa política favorita: a do autoengano.
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2025, edição nº 2956