A dúvida do momento, e deverá ser assim até a eleição, é para onde vai o eleitorado que votava no PT, deslocou-se progressivamente para o outro campo ao longo dos mandatos petistas e há quatro anos acabou apoiando Jair Bolsonaro. Eram tempos de auge da Lava-Jato e da janela de oportunidade para a agenda liberal, que os percalços do terminal governo Michel Temer não tinham chegado a ferir de morte.
É razoável supor que as chances de vitória eleitoral em outubro dependam em boa medida da capacidade de dialogar com essa turma, que por um viés metodológico recebe o rótulo de “centrista”. Mas oscilar entre a esquerda e a direita não faz de alguém um centrista. O “de centro” raiz é quem, no vocabulário da moda (já esteve mais), rejeita “os extremos”. As pesquisas de melhor método mostram essa fatia de mercado girando abaixo de 15%.
Eis uma das dificuldades da chamada terceira via. Se você diz que o grande problema do Brasil na atualidade é o “extremismo de esquerda”, está chamando de bobo o eleitor de Luiz Inácio Lula da Silva. Se diz que é o “de direita”, o alvo da depreciação passa a ser o eleitor de Bolsonaro. E se o discurso é “contra os dois extremismos” você entra na disputa brigando com três quartos do eleitorado. Discorda? Lamento. Os projetos centristas vitoriosos sempre procuraram dialogar respeitosamente com outros campos políticos.
Centrismo excludente é contradição em termos. A propósito, será que o desafio dos dois líderes atuais das sondagens eleitorais está em deslocar-se para o centro? Será que se diluir é a melhor tática para a vitória no cenário específico de agora?
“Analistas e militantes gostam de discutir as circunstâncias. Eleitor comum quer saber de entregas”
Talvez não. É possível que a eleição deste ano se decida pela percepção do eleitor a respeito de quem vê em melhores condições, pessoais e políticas, para combater os dois principais problemas do momento no Brasil: a inflação e o desemprego.
É onde Lula está, por enquanto, levando vantagem sobre Bolsonaro. No currículo. Na comparação das realizações de cada governo. Detalhe reforçado por uma particularidade: é a primeira vez que o presidente e um ex-presidente concorrem juntos à cadeira do Palácio do Planalto.
Claro que há as circunstâncias, e elas contam que Lula governou quase todo o tempo em ambiente de bonança, e, quando o clima virou, deu um jeito de fazer o tsunami virar uma marolinha. Provisória, mas marolinha. Já Bolsonaro topou com dois anos de pandemia e uma guerra na Europa, dois fatos destrutivos para a economia global.
Mas quem gosta de discutir as circunstâncias são analistas e militantes. Eleitor comum quer saber é de entregas. Uma diferença, que pode estar ajudando a fazer a diferença no momento atual: na crise de 2008, Lula reagiu rapidamente e assumiu a paternidade incondicional das medidas anticíclicas, enquanto Bolsonaro frequentemente dá a impressão de estar algo desconfortável com esse tipo de medida, sem contar a lentidão para reagir. A guerra na Ucrânia começou faz quatro meses, e as providências para combater a alta nos preços dos combustíveis ainda tentam ganhar tração. E já passou mais da metade do tempo para a eleição.
Publicado em VEJA de 6 de julho de 2022, edição nº 2796