Agendas econômicas no Brasil perdem velocidade com o tempo. É habitual. Em parte por tentarem impor sacrifícios a uma sociedade criada e amadurecida num ambiente de mistificação. O país está convencido de que problemas podem ser resolvidos por mágica. A última tese diz que, se a corrupção for combatida como se deve, vai sobrar dinheiro para saúde, educação, segurança. A verdade? Se a corrupção, problema sabidamente grave, for reduzida a zero, as dificuldades financeiras do Estado ficarão mais ou menos do mesmo tamanho.
A percepção geral, medida pelas pesquisas, é que o governo Jair Bolsonaro combate a corrupção. Nesse ambiente, pelo motivo apontado, é imensamente difícil para o ministro da Economia convencer a sociedade da necessidade de criar e aumentar impostos. A nova CPMF, com o nome que tiver, é uma batalha aparentemente perdida. De tempos em tempos aparece uma ideia, como o tal imposto sobre o consumo não saudável, o “imposto do pecado”. Apenas para ser soterrada sob uma avalanche desencadeada pelo senso comum.
Na teoria, a solução é uma reforma administrativa que faça as despesas caber nas receitas
Qual é a solução? Na teoria, uma reforma administrativa que ajeite com racionalidade as despesas para que caibam nas receitas sem sobrecarregar ainda mais a sociedade. Aí surge outro problema habitual: o poder de pressão da elite do serviço público, inclusive e principalmente os segmentos que operam o monopólio da violência legítima. Com um detalhe: o presidente da República provém das Forças Armadas, tem três décadas no Parlamento em defesa da corporação e não seria politicamente inteligente se ele caminhasse para um estelionato eleitoral.
O debate sobre a tensão entre democracia e demagogia é antigo. O Brasil talvez seja um case internacional. O sistema político-eleitoral está organizado quase perfeitamente para impedir que 1) os impasses nacionais sejam discutidos objetivamente nas eleições e 2) os governos eleitos formem maioria estável no Congresso Nacional. O resultado: processos eleitorais que convidam à demagogia e governos que só sobrevivem se praticam altas doses de bonapartismo. Para o que é indispensável manter todo o tempo alta aprovação popular. Até para não cair.
Mas o bonapartismo tem um custo. Em democracias como a nossa, a eleição e a apuração consomem um dia, mas a governabilidade precisa sustentar-se ao longo de quatro anos. Quem elege um governo é o eleitorado, mas quem permite a ele governar é um complexo institucional enredado com a dita sociedade civil. A falta de tecnologia para a disputa da urna leva a derrotas eleitorais. A falta de expertise para operar o “sistema governo” produz crises políticas. Detalhe: a taxa de insucesso de presidentes eleitos pós-1988 é de impressionantes 50%.
De volta à economia. As ideias podem ser boas, mas os resultados por enquanto não são brilhantes. Faça-se justiça, o ministro que cuida dela nunca prometeu brilho no curto prazo. Mas na política fazer justiça não é habitual, vale mesmo é a relação de forças. Para o governo, a correlação de forças vai bem no eleitorado. Já no pessoal, que pode permitir ao presidente chegar a 2022, “a política” não vai tão bem assim. Energizar a base pode ser estimulante, mas tampouco aqui existe almoço grátis.
Publicado em VEJA de 26 de fevereiro de 2020, edição nº 2675