Não é novidade a hipertrofia no Judiciário, em particular no Supremo Tribunal Federal. Aliás, começar uma coluna com “não é novidade” talvez devesse ser evitado. Mas, infelizmente, é a pura verdade. No caso específico do STF, já faz algum tempo que ele se sente tentado a operar como uma espécie de assembleia constituinte não formalizada.
Outra coisa que não é novidade: ficaram para trás os tempos quando se sabia de cor a escalação dos onze da seleção brasileira de futebol, mas não se tinha a menor ideia de quem eram os onze do STF. Hoje isso se inverteu. Cada um que julgue se melhoramos ou pioramos.
Importa menos saber como chegamos a esta situação, o fato frio é que nas próximas semanas um nome deverá passar pelo trâmite no Senado Federal para ocupar a vaga do ministro Celso de Mello, que se aposenta. Dadas as circunstâncias jurídicas e políticas, trata-se de um baita momento.
Vamos ao retrospecto. A experiência de governantes indicarem nomes por critérios identitários não foi propriamente um sucesso para quem indicou. E o histórico das decisões e opiniões de antes da ascensão à Suprema Corte não tem sido garantia de coerência no voto, uma vez o ministro instalado na cadeira.
E exposição aos holofotes tem trazido casos de mudança radical nas ideias.
Mesma coisa o “Q.I.” (quem indica). Se pelo menos um ministro dos indicados por Dilma Rousseff tivesse votado para soltar Luiz Inácio Lula da Silva antes da eleição, o ex-presidente teria sido solto e ficado disponível para subir nos palanques do PT e aliados. Não aconteceu.
O que explica isso? Independência? Cada um, novamente, que faça seu juízo.
“O novo nome deve resistir à tentação do protagonismo, ser garantista e ter alergia a judicializar a política”
Onde estará então a virtude? Um critério importante é o nome não enfrentar obstáculos intransponíveis no Senado, que é quem aprova. E o Senado é composto de políticos, mesmo quando fantasiados de “anti”. Sugerir alguém publicamente identificado com a caça a suas excelências seria oferecer muita sopa para o azar.
O que de melhor um presidente da República deve esperar do STF? Que não se meta, ou meta-se pouco, na atividade de exercer o Poder Executivo. Um presidente que ajude a fazer o STF retornar ao tamanho previsto na Constituição estará prestando um serviço inestimável ao que se convencionou chamar de democracia.
Mas não basta. O desejável, do ângulo do Executivo, e mesmo do Legislativo, seria um STF que praticasse a autocontenção como regra em relação ao mundo político, e que começasse a expurgar a tentação permanente de enveredar pelo ativismo judicial. E que propagasse isso pelo conjunto do sistema.
Seria uma revolução.
A conclusão é óbvia: espera-se que o novo nome a substituir o decano que sai consiga resistir à tentação do protagonismo, seja rigorosamente garantista e tenha alergia à judicialização da política.
E que seja um fanático do respeito à Carta. Coisa que anda deveras em falta entre os nossos juízes.
Seria um favor que o ocupante do momento do Palácio do Planalto teria prestado a si mesmo, ao seu governo e ao país.
E um favor, antes de tudo, ao próprio Supremo Tribunal Federal.
Publicado em VEJA de 7 de outubro de 2020, edição nº 2707