Publicado no Estadão
DORA KRAMER
Encerrada a fase de exame da segunda leva dos embargos de declaração apresentados pelos réus do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional está prestes a tornar-se refém de uma sinuca construída com as próprias mãos, sustentada na ausência de bom senso e alimentada por uma visão deformada de preservação da autonomia do Poder.
Não bastasse ter mantido a condição parlamentar de Natan Donadon, atualmente residente no presídio da Papuda, Câmara e Senado podem ganhar em breve a companhia de mais dois detentos: os deputados Pedro Henry e Valdemar Costa Neto, integrantes do grupo dos condenados sem direito a recursos passíveis de modificação das sentenças.
Deixemos por ora de lado o caso do deputado e ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas com chance de ser absolvido neste último crime por força de embargo infringente.
Sobre isso a Corte vai se debruçar no primeiro semestre do próximo ano, não para anular punições, mas para estabelecer novo regime de cumprimento da pena de um, de outro, de nenhum ou de todos que tenham esse direito. Falemos apenas dos dois deputados em via de receber o veredito final depois de publicado o acórdão relativo a essa etapa.
E por que, então, a referência também ao Senado? Porque o assunto ficará em suspenso e durante algum tempo o Parlamento terá triplicado a sua população carcerária devido à recusa das duas Casas a fazer a sua parte a tempo e à hora.
Postergou o quanto pôde a votação da chamada PEC dos mensaleiros que prevê a perda imediata de mandatos em casos de condenações criminais, de autoria do senador Jarbas Vasconcelos. Quando finalmente foi aprovada no Senado em decorrência da vergonhosa manutenção do mandato de Donadon, ficou parada na Câmara e assim está há dois meses.
O Legislativo também protela a mais não poder a votação da emenda constitucional que muda de secreta para aberta a manifestação dos parlamentares. Há duas propostas: uma na Câmara, outra no Senado, ambas emperradas na resistência de suas excelências a enfrentar o dilema de abrir o sigilo para todo o tipo de votação ou só para os casos de cassações.
Ao mesmo tempo, a Mesa da Câmara entende que o STF não tem a palavra final e o presidente da Casa, Henrique Alves, disse que não levará cassações ao plenário enquanto não for resolvida a questão do voto secreto.
Ou seja, nada anda nessa embolada. Ou pelo menos não anda no ritmo correspondente a um problema que só admite um resultado – o afastamento de condenados – e, portanto, já poderia e deveria ter sido solucionado livrando o Congresso de mais essa afronta ao princípio do decoro parlamentar.
Milonga. A Lei de Mídia posta em vigor recentemente na Argentina com o objetivo de destruir o Grupo Clarín por sua oposição ao governo de Cristina Kirchner foi criada sob o argumento de que seria necessário impedir monopólios nos meios de comunicação e democratizar a informação.
Reeleito presidente do PT, Rui Falcão anunciou que o partido trabalhará “por uma mídia mais democrática”, baseada num modelo que tenha “mais agentes emissores e que coíba a ação dos monopólios e oligopólios”.
Inspiração e argumentação absolutamente iguais. Falcão tenta marcar diferença dizendo que o PT vai propor regulamento constitucional para banir “qualquer tipo de censura”.
Não precisa. Isso já está muito claro no inciso 9 do artigo 5º: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.