‘Diplomacia inerte’, um texto de Fernando Henrique Cardoso
Publicado no Globo deste domingo FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Domingo de carnaval, convenhamos, não é o melhor dia para ler artigo sobre política internacional. Mas, que fazer? Coincidiu que o dia de minha coluna fosse hoje e não tenho jeito nem vontade de escrever sobre as alegrias de momo. Por mais que nos anestesiemos no carnaval, […]
Publicado no Globo deste domingo
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Domingo de carnaval, convenhamos, não é o melhor dia para ler artigo sobre política internacional. Mas, que fazer? Coincidiu que o dia de minha coluna fosse hoje e não tenho jeito nem vontade de escrever sobre as alegrias de momo. Por mais que nos anestesiemos no carnaval, o meio circundante não alenta alegrias duráveis.
Comecemos do princípio. Acho que houve um erro estratégico desde o governo Lula na avaliação das forças que predominariam no mundo e da posição do Brasil na ordem internacional que se transformava. Não me refiro ao que eu gostaria que ocorresse, mas às tendências que objetivamente se foram configurando. Nossa diplomacia se guiou pela convicção de que um novo mundo estava nascendo e levou o presidente, em sua natural busca de protagonismo, a ser o arauto dos novos tempos. A convicção implícita era a de que pós-Muro de Berlim, depois de breve período de quase hegemonia dos Estados Unidos, pregada pelos seus teóricos do neoconservadorismo, e da côrte de equívocos da política externa daquele país (invasão do Iraque, do Afeganistão, isolamento da Rússia, apoio acrítico a Israel em sua política de assentamentos de colonos etc.) e dos desastres provocados por estas atitudes, assistiríamos a uma correção de rumos.
De fato, houve essa correção de rumos, mas a direção esperada pela cúpula da diplomacia brasileira e por setores políticos sob influência de alas antiamericanas do PT era a do “declínio do Ocidente”, com a perda relativa do protagonismo americano e a emergência das forças novas: a China (o que ocorreu), o mundo árabe, em especial os países petroleiros, a África e, naturalmente a América Latina, como parte deste “terceiro mundo” renascido. Esta visão encontra raízes em nossa cultura diplomática desde os tempos da “política externa independente”, de Jânio Quadros, e encontra eco nos sentimentos de boa parte dos brasileiros, inclusive de quem escreve este artigo. Sempre sonhamos com um mundo multipolar no qual “os grandes” tivessem que compartilhar poder e nós, brasileiros, pouco a pouco nos tornássemos parceiros legítimos do grande jogo de poder global.