PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA DE VEJA
J. R. GUZZO
O cidadão brasileiro Eike Batista, controlador de um conjunto de empresas com sede no Rio de Janeiro, faz parte de um certo tipo de gente que acaba classificada como “importante”. Eis aí uma palavra de significado duvidoso. Pode ser uma descrição positiva para algo ou para alguém. Pode ser também, e aí a coisa já complica, uma boia de salvação para valorizar pessoas, obras ou acontecimentos quando não existe, no mundo dos fatos reais, um mínimo de fundamento capaz de justificar essa valorização. Não importa se uma pessoa tem ou não tem virtudes. Não importa, na verdade, o que tenha feito ou deixado de fazer. Basta conseguir que a chamem de “importante” – vai passar a vida inteira sendo elogiada, sem que ninguém nunca saiba exatamente por quê, e sem que precise mostrar serviço.
É um fenômeno muito comum na cultura. Há o “escritor importante” – mas ninguém se lembra de um único livro realmente bom que tenha escrito. Há, na mesma linha, o músico, o pintor, o diretor de cinema, o filósofo, o crítico que ganham a comenda de “importante” – e até mesmo, nos casos de bobagem em estado terminal, os que são considerados os “mais importantes de sua geração”. Não é difícil, nisso tudo, separar o artigo legítimo do cavalo paraguaio. Nunca passa pela cabeça de ninguém, digamos, dizer que Camões é um “escritor importante” – ele é, apenas, Camões. Não precisa ser chamado de “importante”; tem a fama porque tem a obra. Já no caso das eminências com méritos desconhecidos, é o contrário: não têm a obra, só têm a fama.
A causa disso está nos jornalistas, uma espécie que, pelas condições naturais do seu habitat, desenvolve um forte instinto de manada; se um deles, ou um grupo, começa a falar de um assunto, a maioria sai correndo atrás para falar da mesma coisa, o tempo todo. É o que aconteceu com Eike Batista. Alguns anos atrás, ele começou a aparecer na mídia; logo ganhou dos jornalistas o certificado de “empresário importante”, e desde então é raro que se passem três dias seguidos sem que o seu nome seja citado em algum lugar. Ajudaram-no, sem dúvida, o fato de ter aparecido nessas listas de homens “mais ricos do mundo”, cuja veracidade é algo que jamais foi possível provar de maneira satisfatória, e sua disciplina em manter-se à disposição da imprensa 24 horas por dia. Mas onde estão, precisamente, seus feitos concretos como empresário?
Eike, no noticiário, está num eterno “vai” – vai fazer, investir, negociar, estudar, comprar, vender, associar-se. Não se fala, depois, no resultado dessas intenções. Nem mesmo a mera reforma do histórico Hotel Glória, no Rio de Janeiro – que deveria ser coisa modestíssima para a imensidão de sua fortuna –, parece dar sinais de vida. Eike comprou o hotel cinco anos atrás. Nesse tempo todo, além da tela de malha sintética que cobre a sua fachada, tudo o que os cariocas puderam ver da reforma é que ela não vai ficar pronta para a Copa de 2014, como prometido, e que o BNDES já deu 200 milhões de reais para financiar a obra. Um dos seus poços de petróleo em alto-mar, que deveria produzir “20.000” barris por dia, viu-se discretamente reavaliado, depois, para 10.000, em seguida para 5.000; não se fala mais do assunto. Na verdade, o que mais se noticia hoje são as perdas de Eike: é o mesmo efeito manada, agora na contramão.
Problema dele? Não; infelizmente é problema nosso. Em sua última edição, VEJA mostrou, com fatos e fotos, Eike, o ex-presidente Lula e o lobista Amaury Pires Neto numa visita feita em janeiro ao Porto do Açu, no estado do Rio, uma das mais louvadas realizações do empresário importante – e que, como tantas outras, não decolam. (Esse Pires é homem de procedência garantida: demitido em 2011 do Fundo da Marinha Mercante, no meio da frenética roubalheira flagrada então no Ministério dos Transportes, tem linha direta com o deputado Valdemar Costa Neto, condenado a sete anos e dez meses de cadeia no mensalão.) Lula, aí, estava na mesma atividade de Pires – fazendo lobby em favor de Eike.
O objetivo era obter do governo a transferência para o Açu de um investimento estrangeiro de 500 milhões de reais. Lula foi à luta: pediu à presidente Dilma Rousseff que recebesse Eike, botou dois ministros a trabalhar para o empresário e envolveu até o Itamaraty nesse rolo. Isso não deu em nada, até agora, por falhas operacionais da trama. Mas provou que, além daqueles duzentinhos do BNDES, há uma proximidade perigosa entre Eike Batista e o Tesouro Nacional – perigosa não para ele, claro, mas para quem paga as contas do Brasil para Todos.