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Augusto Nunes

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‘Por que ditadores não gostam de piadas?’, de Srdja Popovic e Mladen Joksic

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTE DOMINGO SRDJA POPOVIC E MLADEN JOKSIC Quinze anos atrás, quando o Otpor, movimento pacifista pró-democracia que atua na Sérvia, não passava de um pequeno grupo de 20 estudantes com US$ 50, decidimos pregar uma peça no ditador Slobodan Milosevic. Pegamos um barril de petróleo, colamos uma foto de Milosevic e o […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 06h25 - Publicado em 20 abr 2013, 19h08

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTE DOMINGO

SRDJA POPOVIC E MLADEN JOKSIC

Quinze anos atrás, quando o Otpor, movimento pacifista pró-democracia que atua na Sérvia, não passava de um pequeno grupo de 20 estudantes com US$ 50, decidimos pregar uma peça no ditador Slobodan Milosevic. Pegamos um barril de petróleo, colamos uma foto de Milosevic e o colocamos no meio de um grande distrito comercial de Belgrado. Perto dele, colocamos um bastão de beisebol. Fomos para um café, nos sentamos e ficamos observando a brincadeira se desenrolar. Não demorou para dezenas de compradores fazerem fila na rua à espera de uma chance para dar uma tacada o homem que tantos desprezavam, mas que a maioria não tinha coragem de criticar.

Cerca de 30 minutos depois, a polícia chegou. Prendemos a respiração: o que faria a polícia de Milosevic? Não podia prender os compradores ─ com que pretexto? E não podia prender os culpados ─ porque nós não estávamos à vista. Então, a polícia fez a única coisa que poderia fazer: deteve o barril. A imagem dos dois policiais arrastando o barril para sua viatura foi a melhor foto tirada na Sérvia durante meses. Milosevic e seus camaradas se tornaram motivo de chacota e o Otpor tornou-se um nome familiar a muita gente.

Revolução é coisa séria. Basta lembrar os rostos carrancudos de revolucionários do século 20, como Lenin, Mao, Fidel e Che. Eles mal podiam esboçar um sorriso. Mas os protestos do século 21 mostram que surgiu uma nova forma de ativismo. É o ‘risotivismo’. As carrancas ameaçadoras de revoluções passadas foram substituídas por humor e sátira. Os ativistas não violentos de hoje estão provocando uma mudança global nas táticas de protesto, afastando-se de raiva, ressentimento e furor em favor de uma forma nova e mais incisiva de ativismo.

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Tomem-se os casos do Oriente Médio e do Norte da África, onde manifestantes não violentos estão usando o riso e a graça para reforçar seus apelos por democracia. Na Tunísia, em janeiro de 2011, no auge dos protestos contra Ben Ali, um homem sozinho ─ depois imortalizado como um super-herói, o Capitão Khobza (pão) ─ enfrentou seguidores de Ben Ali armado com um humor ferino e uma baguete francesa. No Egito, um vídeo bizarro retratando o presidente Mohamed Morsi como SuperMario circulou no YouTube em março.

Mesmo na Síria, onde a guerra civil tirou 70 mil vidas, grafites satíricos e slogans mordazes anti-Assad ampliaram os protestos de rua. E, não custa lembrar, a relevância política de comediantes no Oriente Médio foi recentemente demonstrada pela decisão do governo egípcio de intensificar as acusações criminais ao o apresentador de talk-show Bassem Youssef. A medida atestou a capacidade do humor de incomodar os poderes vigentes (por enquanto, Youssef continua livre, depois de pagar fiança).

Mas o uso estratégico do humor não se limita ao Oriente Médio e ao Norte da África. Nos EUA, os manifestantes do movimento Ocupe Wall Street zombaram regularmente das corporações americanas. Quem pode esquecer os manifestantes com aparência ridícula que, vestidos como palhaços de rodeio e toureiros, domaram a lendária estátua do touro em Wall Street?

Na Espanha, onde os manifestantes são chamados de “Indignados”, rir é uma armal. Espetáculos teatrais satíricos, flash mobs (aglomerações instantâneas previamente combinadas) e explosões aparentemente espontâneas de cantoria e dança se tornaram marcos do movimento anticapitalista na Espanha, ajudando a reduzir as tensões e a sustentar o entusiasmo. Os russos também infundiram o riso em suas manifestações, usando de tudo: preservativos, jiboias, hospitais de saúde mental e até brinquedos Lego para cutucar Putin.

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Há uma razão essencial para o humor integrar o arsenal do manifestante do século 21: ele funciona. Primeiro, porque quebra o medo e inspira confiança. E também adiciona um necessário frescor que atrai mais simpatizantes. O humor, enfim, costuma incitar reações desastradas dos adversários de um movimento.

Os melhores atos de “risotivismo” forçam seus alvos de protesto a agir em cenários onde só podem perder, seja qual for a resposta do regime. Esses atos vão além de meros trotes. Eles ajudam a corroer a argamassa que mantém a maioria dos ditadores no poder: o medo.

Veja-se de novo o Egito. Durante décadas, a oposição política era contida no país de Mubarak com agressões, prisões e assassinatos sancionados pelo Estado. Mubarak viveu desse medo e tinha todas as razões para esperar que poderia usá-lo para esmagar os protestos que surgiram na esteira da revolução tunisiana do início de 2011. Por isso acusou os manifestantes de estarem a serviço de “agendas estrangeiras”.

Em vez de morder a isca, os ativistas usaram a armadilha contra o próprio Mubarak. Nos começo dos protestos, ativistas ocuparam a Praça Tahrir carregando cadernos comuns e uma queixa simulada: tinham deixado suas agendas estrangeiras em casa. A provocação logo se espalhou além da Praça Tahrir. Uma mensagem de computador exibia na tela a frase “Instalando a Liberdade” enquanto mostrava arquivos sendo copiados e colados de um folder intitulado de “Tunísia”. A foto era acompanhada de uma mensagem de erro dizendo: “Não consegue instalar Liberdade? Remova ‘Mubarak’ e tente novamente”.

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O humor rapidamente se tornou uma parte central da estratégia de comunicação anti-Mubarak, servindo a dois propósitos principais. Por um lado, trocadilhos espertos, caricaturas mordazes e espetáculos provocadores tornavam “cool” vir à Praça Tahrir e ser visto como politicamente ativo. A cada dia, multidões maiores e rostos novos se reuniam aos protestos na praça ─ não só porque esperavam derrubar Mubarak, mas porque queriam fazer parte da “explosão cômica” que se desenrolava por todo o país.

Os manifestantes de hoje compreendem que o humor oferece um meio de acesso de baixo custo aos cidadãos comuns que não se consideram particularmente políticos, mas estão cansados da ditadura. Torne um protesto divertido e as pessoas não vão querer perder a próxima ação. Por outro lado, atos de humor e astúcia lembraram ao mundo exterior que os manifestantes do Egito não eram os radicais enfurecidos que o regime gostaria que se acreditasse que  fossem.

É uma mensagem que os jovens da Primavera Árabe não esqueceram. A aceitação do Harlem Shake pela juventude no Egito e na Tunísia transformou o meme de internet num vibrante protesto satírico que enfatizou as aspirações criativas e democráticas de tantos jovens da região. De novo, a comunidade internacional foi obrigada a reconhecer que eles não são os meros arruaceiros torcedores de futebol que vemos na televisão ─ são rapazes ávidos por viver numa democracia. Eles só querem se divertir fazendo isso.

Esses ativistas colocam os autocratas diante de um dilema: o governo pode reprimir quem o ridiculariza (parecendo ainda mais ridículo no processo) ou ignorar a sátira (e correr o risco de abrir as comportas da dissidência). Diante da zombaria ácida, regimes opressores não têm nenhuma opção. Façam o que fizerem, saem perdendo. O melhor exemplo talvez venha da Rússia. Lá, um protesto siberiano anti-Putin com brinquedos exibiu ursinhos de pelúcia, personagens de Lego e da animação americana South Park. Eram somente brinquedos. O que foi que aconteceu? As autoridades prenderam os brinquedos. Após o confisco dos manequins de Lego, os governantes siberianos proibiram oficialmente o uso de brinquedos em protestos. Pretexto: eram fabricados na China.

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O humor político é tão antigo quanto a política em si. Sátiras e piadas foram usadas ao longo dos séculos para dizer a verdade ao poder. Elas inspiraram os protestos contra a União Soviética nos anos 80, as manifestações pela paz nos anos 60 e movimentos de resistência em territórios ocupados pelos nazistas nos anos 40. Mas os ativistas não violentos de hoje elevaram o humor a um novo patamar.

Riso e diversão não são mais marginais à estratégia de um movimento; são agora uma parte relevante do arsenal ativista, que induz a oposição a quebrar a cultura do medo inoculada pelo regime, provocando reações que diminuem sua legitimidade.

Tornar-se comum na luta não violenta dos tempos modernos não significa que o risotivismo seja fácil. Ao contrário. Requer uma corrente contínua de criatividade para permanecer no noticiários, nas manchetes e nos tuítes, além de manter o ímpeto de um movimento. Sem criatividade e sagacidade, o “risotivismo” pode esmorecer precocemente. Sem disciplina e sensatez, a zombaria pode se perder no caos e na violência.

Mas quando funciona, funciona mesmo. No caso do barril detido na Sérvia, o que poderia ter sido um ato isolado de humor se transformou numa corrente. Não demorou para o Otpor se transformar num movimento nacional com 70 mil membros. Uma vez rompida a barreira do medo, Milosevic não conseguiu mais pará-lo.

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