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Augusto Nunes

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‘Verdade processual, mentira real’, por Carlos Alberto Sardenberg

PUBLICADO NO GLOBO DESTA QUINTA-FEIRA CARLOS ALBERTO SARDENBERG O engenheiro José Luiz Fuzaro Rodrigues, funcionário do Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo, ganha R$ 47.576,44 ao mês por conta de “diárias-quilometragem” Isso dá uns 18 mil litros de gasolina, ou 9 mil quilômetros rodados por dia útil em um carro bom. Logo, pensará […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 08h00 - Publicado em 30 ago 2012, 17h16
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  • PUBLICADO NO GLOBO DESTA QUINTA-FEIRA

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    CARLOS ALBERTO SARDENBERG

    O engenheiro José Luiz Fuzaro Rodrigues, funcionário do Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo, ganha R$ 47.576,44 ao mês por conta de “diárias-quilometragem” Isso dá uns 18 mil litros de gasolina, ou 9 mil quilômetros rodados por dia útil em um carro bom.

    Logo, pensará o leitor, o funcionário jamais receberá esse valor, pois é obviamente impossível demonstrar a rodagem de tal percurso. Engano. O engenheiro não precisa comprovar nada, nem mesmo circular um único quilômetro. A verba é garantida.

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    Um absurdo, diz o simples bom-senso. Pois é, mas aqui não se trata de lógica, muito menos de sentido de realidade. Trata-se de uma “verdade processual”.

    Isso mesmo, o engenheiro recebe as diárias por decisão judicial. O valor, aliás, conta ele, foi fixado pelo perito do juiz. Por outro lado, a lei fixa um teto para os vencimentos dos funcionários públicos, que é, em termos nacionais, o salário de um juiz do Supremo, 27 mil reais ao mês. Todo mundo sabe o que é um teto. E que vencimento ou salário é tudo o que o trabalhador recebe. Mas decisões judiciais estabeleceram que há “vantagens pessoais” não salariais, digamos, que não fazem parte do vencimento. Logo, não contam para o teto.

    E, assim, o engenheiro em questão recebeu no mês passado exatos R$ 69.961,14, valor que, pelo processo, é legal e cabe abaixo do teto de R$ 27 mil. Não tem sentido na realidade, mas a decisão judicial transforma isso numa verdade processual, formal. Já os pagamentos são reais.

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    Não se trata de caso isolado. Só nessa questão de salários, tetos e “sobre-tetos” a verdade processual beneficia milhares de funcionários pelo país afora. Não apenas aí. Todo dia aparecem casos em que funcionários, autoridades e empresários que têm contrato com o governo escapam ou tentam escapar de acusações de corrupção pela via da “verdade processual”!

    Não por acaso, o tema apareceu no julgamento do mensalão, quando o ministro Ricardo Lewandowski afirmou, ao justificar seus votos pela absolvição de João Paulo Cunha: “Esta é a verdade processual. Pode até ser que a verdade real possa ser distinta, mas essa é a verdade processual.”

    A verdade processual é a que resulta da prova dos autos, como ocorreu no caso do engenheiro paulista. A questão é: como pode estar tão distante da realidade? Ou, como a lógica processual pode ser tão distinta do simples bom-senso?

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    Advogados do caso mensalão tentaram usar essas diferenças. Resumindo e simplificando, alegaram que o desvio de dinheiro público teria de ser provado de maneira minuciosa nos autos. Algo assim: teria de haver um documento formal de transferência de dinheiro de Marcos Valério para os políticos, ou impressões digitais demonstrando que um envelope de dinheiro passou das mãos de fulano para as de sicrano.

    Claro, estamos fazendo caricaturas. Mas qual o sentido de se argumentar que o recebimento de um pacote de R$ 50 mil, em dinheiro vivo, numa sala escondida de um banco, não prova nada nos autos?

    Aliás, a verdadeira caricatura está aqui: a mulher do presidente da Câmara dos Deputados vai pessoalmente buscar um pacote de 50 mil reais e isso não tem nada de mais?

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    Esta é a principal história do julgamento do mensalão até aqui. A maioria dos ministros está derrubando essa cultura que fez tanto mal ao país, a de que a verdade processual pode ser tão mentirosa.

    Faz parte dessa história a cultura do “não tem nada de mais” muito viva. Na CPI do Cachoeira, Luiz Antonio Pagot contou que, quando diretor do Dnit, órgão federal que contrata grandes obras, pediu às empresas contratadas doações para a campanha de Dilma Rousseff. As empresas fizeram as doações, R$ 5,5 milhões, e mandaram os recibos para o então diretor contratante e pagador.

    Eticamente errado, disse Pagot. Mas legalmente, acrescentou, não teve nada de mais. Ou seja: na verdade processual não é crime.

    O deputado federal Henrique Alves, que deve ser o próximo presidente da Câmara, levou um empresário para conversas no Tribunal de Contas da União, que julga um contrato de interesse daquele empresário. O TCU é órgão auxiliar do Legislativo. Um simples favor a um amigo, disse o deputado. Ou: nos autos, isso não prova nada. Não provava. Depois do julgamento do mensalão, esse pessoal tem razão para se preocupar. Na real.

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