PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA
Como se sabe, Nicolás Maduro venceu a eleição presidencial venezuelana por um fio, uma vantagem de menos de dois pontos porcentuais sobre seu adversário, Henrique Capriles, mas seu governo está agindo como se tivesse tido 100% dos votos e como se Capriles representasse não metade do eleitorado, mas um bando de delinquentes.
É esse o tom do “diálogo” que Maduro ofereceu à oposição em seu discurso de posse. “Estou disposto a conversar até com o diabo”, afirmou o eleito, no mesmo pronunciamento em que comparou os opositores aos nazistas.
Mal acabou a cerimônia de posse, porém, Maduro e seus correligionários passaram a articular a condenação de Capriles sob a acusação de ter incitado os protestos após a eleição, nos quais houve nove mortos – todos chavistas, segundo o governo, que tem sido a única fonte de informações a respeito das vítimas. Por ora, não foram exibidas provas, e Capriles nega responsabilidade.
O cerco a Capriles segue o figurino chavista: finge-se cumprir a lei e prestigiar as instituições para chegar a um resultado totalmente arbitrário e danoso para a democracia. Seguindo esse modelo, Capriles está sendo acusado num processo cujo desfecho, mantidas as atuais condições, é conhecido de antemão: ele poderá ser exemplarmente condenado.
A Assembleia Nacional instalou uma comissão para apurar a responsabilidade pelos confrontos. Todos os seus 11 integrantes são do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), a agremiação chavista. Segundo o presidente da comissão, deputado Pedro Carreño, a oposição foi deixada de fora porque “não é democrática e não pode fazer parte de uma comissão democrática”, já que não reconhece a eleição de Maduro.
Carreño não deixou dúvida sobre a isenção dos trabalhos que ele presidirá. Segundo o deputado, serão investigadas “todas as ações fascistas geradas pelo assassino Capriles e seu comando de campanha”, e a comissão parlamentar “servirá para desmascarar a canalha midiática, o golpismo e o fascismo, além da direita reacionária, criminosa e assassina que Capriles dirige”.
O próprio presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, que cassou a palavra dos deputados da oposição, disse que “as mortes ordenadas pelo fascista assassino Capriles não podem ficar impunes”. No mesmo tom, a ministra para os Serviços Penitenciários, Iris Varela, disse que já está “preparando a cela” para Capriles, porque ele “tem de pagar por seus crimes”.
Não são apenas Capriles e os deputados oposicionistas que estão sofrendo perseguição implacável. Há informações de que funcionários públicos estão sendo assediados e demitidos porque se declararam eleitores da oposição. Além disso, sob o pretexto de acabar com as “sabotagens” que, segundo os chavistas, são a causa dos constantes apagões no país, Maduro militarizou a estatal de eletricidade, usando a oposição como bode expiatório para a incompetência do governo na gestão do setor, que está sucateado.
Foi nessa atmosfera de intimidação que o governo de Maduro recebeu o respaldo integral da presidente Dilma Rousseff, que logo lhe telefonou para dizer que estava “pronta para trabalhar junto” com ele. Ao justificar seu apoio e o dos demais países da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) a Maduro, Dilma disse que reiterava “os compromissos com os processos democráticos”. Ora, se assim é, Dilma e a Unasul deveriam ter ao menos mencionado, em algum momento, a necessidade da restauração de um mínimo de normalidade democrática na Venezuela.
Mas não. Enquanto as instituições republicanas são destroçadas na Venezuela, e o principal líder da oposição, dono de mais de 7 milhões de votos, pode ser encarcerado num processo claramente viciado, Dilma e seus parceiros bolivarianos agem como se vigorasse naquele país o mais perfeito Estado de Direito, como se o “diálogo” prometido por Maduro fosse possível diante de tanta truculência.