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Augusto Nunes

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A morte de um mestre da alfaiataria

Com a partida de José Cozzi, São Paulo perde um dos últimos ases de uma profissão que caminha para a extinção

Por Branca Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 22h03 - Publicado em 21 ago 2016, 12h01
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  • O homem de sorriso tímido, cabelos grisalhos penteados para trás, que sempre recebia os clientes vestido impecavelmente e com uma inseparável fita métrica em volta do pescoço, morreu nesta sexta-feira. José Cozzi, mestre na arte da alfaiataria, foi surpreendido por um enfarte aos 74 anos.

    Embora amasse a profissão que exerceu com rara luminosidade, Cozzi se recusou a ensiná-la aos três filhos, Paulo, Diego e Daniel: “Eles me pediram dezenas de vezes, mas o que adianta aprender esse ofício se não há mão-de-obra qualificada?”, explicou na entrevista publicada no site de VEJA em agosto de 2010. “Um alfaiate não consegue fazer o terno todo sozinho. Ele precisa da ajuda dos oficiais e hoje quase não existem mais bons profissionais. Ninguém tem mais paciência para tantos anos de estudo”.

    Para homenagear um dos últimos ases dessa profissão aparentemente a caminho da extinção, a coluna republica a reportagem que fotografa em 3 x 4 o brilhante artesão que se foi neste agosto. Sem José Cozzi, a paisagem paulistana ficará menos elegante.

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    BRANCA NUNES

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    A viagem ao passado começa já na entrada do prédio onde está instalada, cinco andares acima, a oficina de José Cozzi. O edifício no centro de São Paulo, ao lado do metrô Anhangabaú, ainda ostenta escadas de mármore e detalhes em Jacarandá que exalam cheiro de coisa antiga. A portaria dispensa os visitantes de apresentações do RG, fotografias computadorizadas, catracas e crachás. Atrás do pequeno balcão, o recepcionista só levanta os olhos do jornal para indicar o caminho que conduz ao “andar dos alfaiates”.

    O elevador verde-oliva, com botões e avisos de ferro dourado e piso de granito, parece uma máquina do tempo. É possível imaginar o ascensorista, de uniforme, acomodado no banquinho de madeira – daqueles de abaixar, presos à parede. Um leve tranco indica o fim da jornada. À direita, dois pesados ferros de passar roupa sobre pilastras apontam o caminho.

    Quem abre a porta é um homem vestido impecavelmente – calça social, gravata vermelha e camisa branca -, com os cabelos grisalhos penteados para trás e uma inseparável fita métrica em volta do pescoço. Há mais de 40 anos, Cozzi tira medidas para cortar e costurar os melhores ternos da capital.

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    O ofício lhe foi ensinado por Alceu Sério, um dos nove alfaiates de Duartina, a 40 quilômetros de Bauru, no interior de São Paulo, que na época contava 13.000 almas. Filho de lavradores italianos, Cozzi foi aceito como aprendiz aos 11 anos de idade. “No início, fazia serviços parecidos com os de um office-boy, levando e trazendo recados, buscando tecidos”, lembra. “Aos poucos passei a costurar calças curtas.” Refere-se àquelas peças bruscamente interrompidas 10 centímetros acima do joelho que os meninos de antigamente usavam até receberem da família o passaporte para a adolescência.

    Depois, calças de brim, de linho comum, linho acetinado, casimira de segunda classe, casimira média e casimira boa. Em seguida, os paletós, que requeriam a mesma hierarquia de tecido. Cada um desses estágios, inacreditavelmente, consumia um ano. Tudo somado, Cozzi dedicou mais de uma década ao aprendizado prático.

    “Meu primeiro pagamento foi uma tesoura com a ponta quebrada”, recorda o homem que hoje cobra 2.500 reais pela confecção de um terno. A quantia não inclui o tecido. “Quando um paletó era exposto na vitrine da alfaiataria, a consagração do alfaiate era maior do que a de um jogador de futebol.”

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    Em São Paulo, Cozzi passou por dezenas de oficinas até conseguir fincar a sua no endereço onde continua depois de 30 anos. Ali, todo o serviço é supervisionado de perto por ele. As máquinas de costura não são elétricas, mas de pedal, os ferros de passar roupa pesam cerca de 7 quilos cada um (passar um terno corretamente é um dos principais quesitos na avaliação da perícia de um alfaiate) e as prateleiras de madeira de lei abrigam os melhores cortes de tecido do mundo. Elogiados principalmente pelo acabamento da manga e da lapela, os ternos “J. Cozzi” são costurados com linha importada e mantêm a tradição do caseado feito à mão.

    Aos 66 anos, comanda 18 funcionários que, juntos, fazem uma média de 30 ternos por mês – para uma clientela composta predominantemente por banqueiros e judeus, moradores dos bairros do Morumbi e de Higienópolis. São oficiais buteiros (fazem consertos em geral), oficiais de paletó, oficiais mangueiros, oficiais de calça e assim por diante. É cada vez mais difícil encontrar alguém que, como Cozzi, saiba fazer com excelência todas as partes que compõem um terno.

    Essas complicações o aconselharam a proibir os três filhos de seguirem a profissão do pai. “Eles me pediram dezenas de vezes para ensiná-los. Mas o que adianta aprender esse ofício se não há mão-de-obra qualificada? Um alfaiate não consegue fazer o terno todo sozinho. Ele precisa da ajuda dos oficiais e hoje quase não existem mais bons profissionais. Ninguém tem mais paciência para tantos anos de estudo”, conforma-se, sem sinais de nostalgia no tom de voz. “Meus funcionários são quase todos mais velhos do que eu.”

    Com trabalho de sobra e gente de menos, a equipe de Cozzi está com a agenda lotada até o fim do ano. “As duas características essenciais para a profissão são bom gosto e mão-de-obra qualificada”, receita. O sumiço da segunda, profetiza Cozzi, prenuncia a extinção dos alfaiates.

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