Conheça os melhores momentos dos debates eleitorais na TV
Domitila Becker Jamais se saberá quantos eleitores resolveram em quem votariam baseados no confronto ocorrido em 26 de setembro de 1960 no estúdio da CBS em Chicago. Também é impossível saber qual seria o desfecho da campanha presidencial se não tivesse acontecido o duelo testemunhado por mais de 70 milhões de americanos. O que se […]
Domitila Becker
Jamais se saberá quantos eleitores resolveram em quem votariam baseados no confronto ocorrido em 26 de setembro de 1960 no estúdio da CBS em Chicago. Também é impossível saber qual seria o desfecho da campanha presidencial se não tivesse acontecido o duelo testemunhado por mais de 70 milhões de americanos. O que se pode afirmar com segurança é que naquela noite o debate eleitoral transmitido pela TV deixou de ser coisa de amadores ─ e que John Kennedy foi superior a Richard Nixon na histórica troca de golpes verbais, menos pelo conteúdo do que disse que pela forma impecável do candidato do Partido Democrata.
Recém-saído do hospital onde se submetera a uma cirurgia no joelho, Nixon estava dez quilos abaixo do peso normal e a aparência cansada era acentuada pela palidez do rosto. Como não aceitou ser maquiado, a tela em branco e preto destacou a barba por fazer e o terno cinza se confundiu com o cenário. Em contrapartida, Kennedy lembrava alguém que vive entre o chuveiro e uma sala com ar-condicionado. Expressão confiante, pele bronzeada, transpirava dinamismo. E parecia mais saudável do que nunca.
Passados 50 anos, a fórmula original continua essencialmente a mesma nos Estados Unidos: os dois principais candidatos se enfrentam num duelo que um moderador (eventualmente escoltado por dois ou três jornalistas) se limita a estimular. O tempo é controlado, mas suficiente para que ninguém interrompa a frase no meio.
No Brasil, o debate na TV continua engatinhando, asfixiado pela legislação eleitoral, que exige a participação de todos os concorrentes, e por camisas-de-força costuradas pela cautela exagerada dos marqueteiros. Para destacar-se na multidão, os candidatos precisam valer-se da verve, do raciocínio rápido ou da agressividade.
Foi assim desde o primeiro, realizado em 1982, que reuniu nove concorrentes ao governo de São Paulo. Vitorioso nas urnas, Montoro foi vencido por Jânio no melhor momento do debate. Ao constatar que uma citação sobre o episódio da renúncia fora extraída de um livro de Carlos Lacerda, seu mais feroz adversário, o ex-presidente aparteou Montoro para dispensá-lo de continuar a leitura. “O senhor acaba de querer citar as escrituras valendo-se de Asmodeu ou de Satanás”, comparou. Todos riram. Até Franco Montoro.
Só em 1989 os telespectadores puderam assistir a um debate entre candidatos à Presidência da República. O primeiro confronto mostrou Mário Covas em ótima forma. Desafiado por Guilherme Afif Domingos, interessado em saber “com qual das duas caras” disputaria a eleição, o candidato do PSDB esbanjou agilidade: “Eu acho que eu tenho uma única cara. Mas certamente se eu tivesse várias, todas elas teriam vergonha”. Previsivelmente, prevaleceu a experiência dos remanescentes do Brasil pré-1964.
Também no duelo de 1989, Leonel Brizola ressuscitou a agressividade dos velhos tempos quando Paulo Maluf se recusou a conceder um aparte. O adversário qualificou-o de “desequilibrado”. Brizola revidou com um “filhote da ditadura”. Os risos da plateia hostil açularam o gaúcho brigão, que reagiu com o que lhe parecia um insulto: “Malufistas! Vocês são malufistas”.
Covas e Maluf enfrentaram-se em 1998 no segundo turno da disputa pelo governo paulista. Segundo colocado na primeira etapa, o governador em campanha pela reeleição resolveu substituir a discussão de programas administrativos pelo embate político e pela comparação do histórico de cada um. “Eu discuto programa, mas eu acho que o telespectador quer discutir caráter”, disse no clímax do debate. “Você quer saber como nós nos comportamos historicamente, como nós somos como pessoa. Quer saber que tipo de compromisso a gente tem. Que tipo de caráter e de antecedência a gente tem”. Deu certo: Covas venceu com quase 10 milhões de votos.
O único duelo semelhante aos promovidos nos Estados Unidos foi travado por Lula e Fernando Collor no segundo turno da eleição presidencial de 1989. Como as regras e restrições eram poucos, sobrou tempo para o confronto. Em vez de defender ideias, contudo, os candidatos optaram por ataques pessoais. Lula comparou Collor a Pinóquio. O adversário devolveu a acusação com uma agravante: “O Pinóquio pelo menos lia. Eu não sei se ele sabe ler”. A tréplica de Lula: “Ele faz parte daquele grupo de políticos que age como se fosse aquela… Aquele início do Programa da Xuxa. Antes das eleições, beijinho, beijinho. Depois das eleições, tchau, tchau”.
Dias antes dessa batalha feroz, Collor exibiu no horário gratuito o depoimento em que Miriam Cordeiro, ex-namorada de Lula, acusava o candidato do PT de tê-la pressionado para abortar a filha Lurian. Temeroso de que o assunto emergisse durante o debate, Lula mostrou-se apreensivo e inseguro. O mau desempenho facilitou a célebre edição do confronto divulgada pela Globo no Jornal Nacional.
De lá para cá, o excesso de medidas preventivas resultou no engessamento do debate. Orientados pelos marqueteiros, os candidatos procuram não perder pontos e parecem satisfeitos com o empate. Escolhem cuidadosamente o traje, ensaiam o sorriso, aprendem a olhar para a câmera certa, driblam os temas propostos e consomem incontáveis minutos em generalidades e miudezas. Concentrados na defesa, raramente atacam. O tempo excessivamente curto os dispensa de respostas claras. E tanto os moderadores quanto os jornalistas convidados não têm direito a réplicas.
Os telespectadores, que pareciam condenados a morrer de tédio, foram surpreendidos pelo primeiro debate do segundo turno transmitido pela Band. Pela primeira vez houve um duelo entre os candidatos de 40 perguntas feitas diretamente de um para o outro.
Se no primeiro turno os principais candidatos procuravam fugir do embate direto, no segundo turno o confronto parece inevitável. A fórmula ainda não é a ideal, mas o Brasil começa a caminhar em direção ao modelo americano.