Editorial do Estadão: Lula radicaliza no Nordeste
Nas cidades que percorreu, ex-presidente falou a um público que esteve sempre longe de ser considerado uma multidão
“A urna não é lugar para se colocar ódio. A urna é lugar para se colocar esperança.” Com frases edulcoradas como essa, que a rigor não dizem coisa nenhuma, mas são perfeitas quando o objetivo é conquistar aplausos e votos, Luiz Inácio Lula da Silva concluiu seu périplo pelo Nordeste, região que considera seu reduto, onde passou três semanas exercitando a candidatura à Presidência da República. Nas cidades que percorreu — cerca de 25 –, falou a um público que esteve sempre longe de ser considerado uma multidão, demonstrando que doravante radicalizará a pregação da divisão dos brasileiros e, consequentemente, sua visão excludente do poder: “Um presidente da República deve ter muito claro para quem governa”.
A excursão foi parte da estratégia lulopetista de reconquistar o prestígio popular do PT e de seu grande líder depois dos efeitos devastadores do impeachment de Dilma Rousseff e das investigações da Operação Lava Jato, que culminaram com a condenação de Lula à pena de prisão. Diante da necessidade de colocar Lula em contato com o povo, a escolha do Nordeste, região em que o lulopetismo sempre se saiu melhor nas urnas, era a decisão óbvia. Mas os tempos mudaram e a experiência só não resultou num grande fracasso porque organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Sem-Terra (MST) patrocinaram encontros em recintos fechados, com escassa capacidade para receber público. Houve também a precaução de programar boa parte dos eventos para ambientes onde não havia a possibilidade de ocorrer manifestações de oposição.
Não foi possível evitar, contudo, o constrangimento de algumas homenagens a Lula, como a entrega de títulos de cidadania e de doutorado honoris causa, terem provocado protestos e controvérsias a ponto de, em alguns casos, os organizadores do PT serem obrigados a cancelar os eventos. Igualmente constrangedores para os petistas foram os episódios que envolveram o relacionamento de Lula com velhos caciques políticos do Nordeste, como o maranhense José Sarney e o alagoano Renan Calheiros.
O ex-presidente declara-se amigo pessoal de ambos, mas foi obrigado, por razões políticas, a dar tratamento a um e a outro. Calheiros, na tentativa de garantir a hegemonia política de seu grupo em Alagoas, onde seu filho é governador, aderiu abertamente a Lula desde que se incompatibilizou com seu partido, o PMDB, e agora se proclama “esquerdista”. Foi publicamente prestigiado pelo ex-presidente. Já um velho amigo e aliado de Lula, José Sarney, foi mantido à distância durante toda a programação no Maranhão, pois ao PT local interessa a aliança com o governador Flávio Dino, do PCdoB, que concorrerá à reeleição e tem entre os maranhenses muito mais apoio do que o PT.
Em se tratando de Lula, para quem coerência política é luxo a que só podem se dar os “políticos sem voto” — referência provocativa que tem feito aos ex-petistas que hoje militam em pequenas legendas de esquerda e assumem postura crítica ao PT –, não surpreendem os malabarismos praticados no contato com as mais diversas lideranças políticas com quem foi obrigado conviver no périplo nordestino. O que chama a atenção é sua revigorada ousadia de contrariar as mais óbvias evidências quando se dispõe a descrever, em benefício próprio, a realidade brasileira. Conforme repetiu várias vezes ao pregar a convertidos no Nordeste, enquanto o PT estava no poder, “o Brasil estava bom”. Era “protagonista internacional” e havia deixado de fazer parte do “mapa da fome”. Mas após o que “eles” armaram para sua pupila Dilma, “o Brasil está tão ruim”. Continua: “Eles não dizem que a Dilma era a culpada? Então, porque eles não consertam o Brasil?”. E arremata, triunfante: “Nós sabemos consertar esse país”. Sabem mesmo. Afinal, a tigrada roubou o quanto pôde e ainda deixou o Brasil mergulhado na maior recessão de sua história.