Editorial do Estadão: Novo golpe do chavismo
O presidente Nicolás Maduro vai conseguir mais um mandato numa “eleição” truncada, porque essa é a lógica da ditadura implantada no país
O chavismo fez mais uma manobra golpista para consolidar a ditadura e se manter indefinidamente no poder na Venezuela. Desta vez, a Assembleia Constituinte, que controla inteiramente ─ e por isso decidiu por unanimidade ─, antecipou a eleição presidencial, para que ela se realize no momento que mais interessar a Nicolás Maduro, com a oposição dividida e seus dois principais líderes proibidos de concorrer. Repete-se o escandaloso cenário de jogo de cartas marcadas, que se tornou a marca registrada do regime.
Em vez do fim do ano, para quando estava prevista, a eleição será realizada no máximo até o dia 30 de abril, o que pegou de surpresa a coalizão de oposição Mesa da Unidade Democrática (MUD), que já desconfiava da manobra, mas esperava a mudança para meados do ano. Até lá, ela pensava ter tempo para superar suas divisões e disputar com alguma chance de vitória. A data do pleito será fixada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), também controlado pelo regime e cuja reforma, por isso mesmo, é uma das principais reivindicações da oposição.
A desculpa usada pelo regime foi uma resposta às sanções aplicadas pela União Europeia (UE) a sete funcionários venezuelanos de alto escalão por causa das seguidas medidas autoritárias adotadas pelo país, a exemplo do que já vem sendo feito pelos Estados Unidos. O número dois do regime, Diosdado Cabello, que anunciou a antecipação da eleição, apelou para a velha retórica da perseguição “imperialista” e a tática do inimigo externo: “Poderes imperiais desataram uma campanha sistemática de ódio contra a Venezuela”.
E o governo ainda teve o desplante de qualificar as sanções como um “golpe no diálogo” que ele vinha mantendo com a oposição na República Dominicana. Novamente, o chavismo usa a tática mistificadora de inverter os papéis, pois é notório que ele é que tem boicotado as negociações. Essa não é primeira vez que ele propõe entendimento como uma cortina de fumaça para disfarçar golpes contra a oposição. Tentou até usar o Vaticano numa dessas manobras.
A pronta reação da oposição e do Grupo de Lima, que congrega 12 países do continente – Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e Peru –, condenando a antecipação da eleição, desmascara a jogada do chavismo. A posição do Grupo de Lima foi exposta em termos claros e duros: “Essa decisão torna impossível a realização de eleições presidenciais democráticas, transparentes e confiáveis, de acordo com os padrões internacionais, e contradiz os princípios democráticos e de boa-fé para o diálogo entre o governo e a oposição”.
Condenação que será certamente desconhecida pelo chavismo. O presidente Nicolás Maduro vai conseguir mais um mandato numa “eleição” truncada, porque essa é a lógica da ditadura implantada no país. Todos os passos para a perpetuação do regime vêm sendo dados sistematicamente. As instituições do Estado, controladas pelo chavismo, só fazem o que ele manda. Único resquício de poder da oposição – ainda que apenas formal –, a Assembleia Nacional, na qual ela tinha maioria obtida na última eleição razoavelmente livre realizada no país, foi sendo neutralizada aos poucos até ter seus poderes definitivamente usurpados pela Assembleia Constituinte, inteiramente dominada pelo regime.
Fraudadas também foram as últimas eleições municipais. E os mais populares líderes oposicionistas, que têm reais possibilidades de vencer a eleição presidencial – Henrique Capriles e Leopoldo López –, estão proibidos de disputar por decisões judiciais espúrias. O palco está armado para Maduro e nada o deterá.
Enquanto isso, a Venezuela afunda na sua pior crise política, econômica e social, com feroz repressão, mais de 1.000% de inflação, o PIB em queda livre, êxodo da população para países vizinhos e crise de abastecimento que chegou a ponto de já haver denúncias de que pessoas estão consumindo alimentos para animais para não morrer de fome.