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Editorial do Estadão: O agitador cumpre sua ameaça

Para Guilherme Boulos, “convulsão social” deve ser sinônimo de progresso

Por Augusto Nunes 19 jan 2017, 13h52
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  • Dias atrás, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, fez ao mesmo tempo uma promessa e uma ameaça: “Haverá um agravamento da situação e vamos nos aproximar de um estado de convulsão social”. Na terça-feira, começou a cumprir o que dissera. Tendo comparecido – segundo declarou, movido pela intenção de tentar uma solução “negociada e pacífica” – a um terreno ocupado por 700 famílias em São Mateus, que estava sendo submetido a reintegração de posse por ordem judicial, Boulos foi detido pela Polícia Militar por resistência e incitação à violência. Levado a uma distrito policial, foi indiciado e liberado, nove horas depois.

    De família de classe média alta, marxista radical, formado em filosofia pela USP, morador, com a mulher e duas filhas, num bairro da periferia pobre de São Paulo, Boulos é obstinado pela ideia de que tem uma missão social – e política – a cumprir. A vocação franciscana de Boulos tende a transformá-lo em ícone para os “progressistas” que o imaginam, por sua devoção aos pobres, acima do bem e do mal. E é exatamente isso que o torna perigoso para uma sociedade que se pretende livre e democrática, na qual a igualdade de oportunidades que garante a justiça social só pode ser obtida sob o império da lei, jamais pela força.

    O problema habitacional é inegavelmente grave no País. E essa não é uma anomalia que deva ser debitada apenas ao fato de o governo não conseguir desenvolver programas habitacionais suficientes. Afinal, a obrigação de prover moradias populares cabe ao governo apenas subsidiariamente, como exceção diante das carências mais profundas, e não como regra. Na verdade, no que diz respeito à questão habitacional, os governos têm falhado principalmente quando se trata de sua responsabilidade original, que é a de prover infraestrutura urbana, o que envolve mobilidade, abastecimento de água e energia elétrica, saneamento, além de rapidez e eficiência na tramitação burocrática da documentação relativa ao imóvel. É essa uma das razões da disseminação descontrolada de loteamentos ilegais e irregulares.

    A gravidade do problema habitacional não justifica, no entanto, a tentativa de resolvê-lo na marra, ao arrepio da lei, com total desrespeito ao direito de propriedade, que numa sociedade democrática sofre certas limitações em respeito ao bem comum. Por exemplo, é pacífica a normatização do uso do espaço urbano por meio das chamadas leis de zoneamento. Coisa diferente é a ocupação de áreas consideradas “abandonadas” por seus proprietários. Essa é uma maneira fácil de, mais do que oferecer uma solução precária para os sem teto, politizar a questão com o objetivo de demonstrar como verdadeira a falácia de que os problemas sociais, como a da habitação, não podem ser resolvidos pelos critérios da “lei burguesa”, e que os princípios da Justiça só serão atendidos quando garantidos por um Estado autocrático.

    O agitador Guilherme Boulos, inimigo declarado da liberdade que não seja aquela concedida por um Estado Todo-Poderoso, apesar de ameaçar com a eclosão da “convulsão social”, nega-se a admitir que estimule de alguma forma a violência com que os militantes do MTST se comportam. De acordo com o que disse na terça-feira, tudo se explica pelo fato de que “há no País um movimento de criminalização dos movimentos sociais”. E garantiu que não teve nenhuma influência sobre a atitude dos invasores despejados, que reagiram à ordem de desocupação apresentada por um oficial de Justiça com a queima de pneus e móveis no meio da rua e o lançamento de pedras e paus contra os policiais militares que ali estavam para garantir o cumprimento da decisão judicial e, por sua vez, recorreram ao uso de bombas de efeito moral e gás de pimenta.

    Boulos declarou ter sido vítima de uma “prisão política”. Não é o que está escrito no boletim policial. Ele violava a lei e promovia a desordem. Mas é assim que ele entende ser a política. Para ele, “convulsão social” deve ser sinônimo de progresso.

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