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Augusto Nunes

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Editorial do Estadão: Uma nova crise dos mísseis

A agenda internacional hoje está repleta de temas bastante complexos que exigem, antes de tudo, cooperação entre as nações

Por Cristyan Costa Atualizado em 30 jul 2020, 19h57 - Publicado em 23 fev 2019, 11h26
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  • O presidente russo, Vladimir Putin, usou o discurso anual ao Parlamento sobre o estado da União, na quarta-feira passada, para dizer ao presidente americano, Donald Trump, que a Rússia está pronta para desencadear uma nova crise dos mísseis com os Estados Unidos se assim seu colega desejar. Putin referia-se aos 13 dias de outubro de 1962 em que o mundo, em suspense, acompanhou o desenrolar da chamada crise dos mísseis de Cuba.

    Foi a mais dura declaração de Vladimir Putin desde que Donald Trump decidiu retirar os Estados Unidos do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, na sigla em inglês) no dia 1.° deste mês, cumprindo ameaça feita em outubro do ano passado. Putin retrucou, retirando a Rússia do INF no dia seguinte.

    “É direito deles (dos americanos) pensarem como quiserem. Mas eles sabem contar? Tenho certeza que sabem. Façam as contas. Mach 9 (a velocidade da nova classe de mísseis russos) e mais de mil quilômetros (de alcance)“, disse Putin, sob ovação do Parlamento.

    “A Rússia será forçada a criar e instalar tipos de armas que podem ser usadas não somente contra esses territórios (onde os Estados Unidos pretendem instalar mísseis na Europa) a partir dos quais se origina a ameaça direta, mas também contra os centros de tomada de decisão”, prosseguiu Putin, em clara ameaça à integridade do solo americano.

    O INF foi assinado no dia 8 de dezembro de 1987, em Washington, pelo então presidente americano, Ronald Reagan, e o então líder da extinta União Soviética, Mikhail Gorbachev. A assinatura do tratado é considerada um dos marcos do fim da guerra fria por proscrever toda uma classe de mísseis armados com ogivas nucleares capazes de atingir a Europa Ocidental. Agora, com a irresponsabilidade dos atuais detentores dos códigos nucleares, corre-se o risco da retomada da corrida armamentista interrompida há 32 anos.

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    O governo americano acusa a Rússia de descumprir sistematicamente os termos do tratado, o que Moscou nega. A radical decisão de Trump de retirar os Estados Unidos de mais um tratado internacional, trazendo de volta a era da tensão nuclear, poderia ter sido substituída por outras medidas de aferição do cumprimento das normas do INF, como inspeções internacionais isentas, ações diplomáticas ou sanções econômicas em caso de violações, sem graves riscos para a paz mundial.

    O INF não deveria ter sido encerrado, mas suas normas aprimoradas e estendidas. Uma das críticas da Rússia ao pacto deriva de sua bilateralidade, o que permitiria, de acordo com as alegações do Kremlin, que outros países desenvolvessem mísseis nucleares de médio alcance cuja produção é vedada à Rússia e aos Estados Unidos por força do INF. Seria o caso, então, de negociar um novo pacto sobre mísseis de médio alcance envolvendo países como China, Índia, Paquistão, França e Inglaterra.

    O tom belicoso de Putin pode não passar de propaganda. O presidente russo tem visto sua popularidade cair menos de um ano após ter sido reeleito para um quarto mandato. Isso se deve ao aumento da idade para aposentadoria ─ vê-se que mexer em regras previdenciárias não é tarefa fácil em nenhum lugar do mundo ─ e a uma alta do imposto sobre o valor agregado, que começou a valer no início deste ano.

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    Não é improvável, portanto, que a subida de tom das ameaças contra os Estados Unidos não passe de uma forma de Putin reverter sua impopularidade, apelando para o conflito, ainda que por meio retórico, com o eterno inimigo. Mas em se tratando de Putin e Donald Trump, convém ter cautela.

    A agenda internacional hoje está repleta de temas bastante complexos que exigem, antes de tudo, cooperação entre as nações. As mudanças climáticas, o terrorismo, as ondas de imigração, os desafios para o desenvolvimento econômico e científico global são questões muitíssimo mais importantes para o dia a dia dos habitantes das grandes potências do que uma nova e impertinente crise nuclear. Passa da hora de a sensatez prevalecer.

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