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Eliane Cantanhêde: Carne podre, carne fraca

Está difícil viver, trabalhar, estudar, comer e respirar o ar contaminado da corrupção, da falta de fiscalização e da pior doença brasileira: a impunidade

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h59 - Publicado em 20 mar 2017, 14h43

Publicado no Estadão

Quando a política e a Lava Jato pegavam fogo, a surpresa foi 2017 abrir já no primeiro dia com os massacres em prisões, que começaram com decapitações em Manaus e contaminaram Boa Vista e Natal, com cerca de 125 mortes no total, chamando a atenção para um descalabro nacional e mostrando ao mundo o lado das trevas numa das dez maiores economias do planeta.

Quando o pacote do procurador Rodrigo Janot foi entregue ao Supremo Tribunal Federal e passaram a vazar as listas dos ilustres citados nos 83 pedidos de abertura de inquérito para os que têm foro privilegiado e mais 211 para quem não têm, a semana terminou com a operação “Carne Fraca”, sobre as carnes podres que comemos e a carne fraca de corruptos insaciáveis.

Quando inflação e juros caem, o leilão de quatro aeroportos é um sucesso e a The Economist prevê que o pior da crise passou, cabeças de porco, ácidos e papelões em mortadelas e linguiças pioram ainda mais a imagem do Brasil e jogam um ponto de interrogação nas exportações de carne brasileira. O País é o campeão de vendas do produto. EUA e União Europeia já exigem explicações.

Quando o Planalto e o País comemoram a reversão de expectativa no emprego, com o fim da sangria e o saldo positivo na criação de vagas depois de 22 dois meses de horror, as revelações sobre os frigoríficos chacoalham também o mercado interno, e a agropecuária é importantíssima para o PIB e para a geração de empregos.

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Quando o presidente Michel Temer começa a falar em ganhar alguma popularidade e já se assanha para incluir a questão tributária no pacote de reformas, a citação de seis ministros e as cúpulas do Congresso e dos partidos na Lava Jato joga o foco do Congresso na reforma política e tira da reforma da Previdência, vital para investimentos, credibilidade e destino da transição.

Quando os governos do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e de todos os demais, em fila, tentam desesperadamente negociar acordos com Brasília e enxugar as contas, eis que aquele velho, insidioso, cruel e sarcástico inimigo público, o Aedes aegypti, anti-herói da ruína, sai matando por aí. As filas de vacinas para febre amarela conseguem superar as de emprego. Oswaldo Cruz e Emílio Ribas devem estar se remoendo no túmulo.

É assim que vivemos todos numa montanha russa que atravessa de boas a más notícias em velocidade estonteante, sem sossego, sem tempo para respirar. Temer comemora juros e inflação num dia e sofre a queda de ministro no outro; o aparente fim da sangria dos empregos num dia, seis ministros na “lista do Janot” no outro; o leilão de aeroportos num dia, o desmascaramento dos frigoríficos no outro; uma vitória no Congresso num dia, o recuo na reforma da Previdência no outro; uma manchete internacional positiva num dia, várias negativas no outro.

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Mas o pior é a população brasileira, que acumula e sofre com uma epidemia de corrupção, 13 milhões de desempregados no setor privado e o empreguismo deslavado no público, Estados falidos e irresponsáveis, febre amarela, zika, chikungunya e dengue, antes o leite de idosos e crianças temperado com água sanitária, agora carne podre, linguiças nojentas e mortadelas assassinas. Sem contar nas muitas dúvidas sobre o excesso de agrotóxicos.

Está difícil viver, trabalhar, estudar, comer e respirar o ar contaminado da corrupção, da falta de fiscalização e da pior doença brasileira: a impunidade. Mas a boa notícia é exatamente essa: nunca antes na história deste País tanto descalabro foi exposto à sociedade, tanta gente foi desmascarada por instituições antes passivas e hoje na linha de frente da reconstrução nacional. Implodir para construir.

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