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Augusto Nunes

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Especial VEJA: Darcy Ribeiro — delírios do imperador

Publicado na edição impressa de VEJA “Peguem essas metralhadoras, vamos acabar com a UDN inteira.” Era a fala de Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil de João Goulart na noite do dia 31, dirigindo-se a um grupo de deputados da Frente Parlamentar Nacionalista que ele mandou se reunir em Brasília. O então deputado Marco Antônio […]

Por Branca Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 04h03 - Publicado em 12 abr 2014, 08h19
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    Darcy Ribeiro (ao centro) e João Goulart (à direita)

    “Peguem essas metralhadoras, vamos acabar com a UDN inteira.” Era a fala de Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil de João Goulart na noite do dia 31, dirigindo-se a um grupo de deputados da Frente Parlamentar Nacionalista que ele mandou se reunir em Brasília. O então deputado Marco Antônio Coelho, integrante da frente, na verdade a retaguarda do janguismo, relata o episódio em seu livro Herança de um Sonho — As Memórias de um Comunista. Darcy era um delirante na paz e na guerra. No poder ou fora dele. Naquela noite de perplexidade e desinformação, Darcy delirou, abrindo com ímpeto duas caixas de metralhadoras diante do que ele imaginava ser o primeiro núcleo de resistentes. Teoricamente, Jango ainda estava no poder. Mais umas poucas horas, porém, fugiria do país, desanimando no nascedouro qualquer tentativa de resistência.

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    Darcy, o antropólogo delirante, não era bobo. Logo se exilou também. Em tempos mais amenos voltou ao Brasil. Colou em Leonel Brizola, com quem chegou ao poder no Rio de Janeiro e se notabilizou diante da nova geração de brasileiros como o criador dos Cieps, a delirante, por impagável e inadministrável, tentativa de dar educação integral mais comida e atendimento de saúde a todas as crianças pobres. “Quando criei a reserva do Xingu para salvar os índios brasileiros, também fui chamado de doidivanas”, dizia Darcy, o grande namorador, o homem sem medo que perdeu um pulmão para o câncer e que só enxergava uma saída para materializar seus sonhos: ser declarado imperador do Brasil. Sério? Em Darcy tudo era ao mesmo tempo sério e pilhéria.

    Ao professor e jornalista Dênis de Moraes, autor de A Esquerda e o Golpe de 64, Darcy relatou o plano que sugeriu a Jango logo que soube que as tropas de Minas Gerais marchavam sobre o Rio de Janeiro: “Quando o Mourão saiu a campo, eu telefonei para o presidente, dizendo o seguinte: ‘O brigadeiro Teixeira, aí no Rio, tem aviões e já está com metralhadoras colocadas neles. E, se ele lamber a tropa do Mourão com rajadas de metralhadora, a tropa volta para o quartel’”.

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    Pobre Jango. Atordoado, derrotado, rumo ao exílio e ainda tendo de ouvir as criações do pensamento mágico de seu ministro-chefe da Casa Civil. Não que isso fosse surpresa para Jango. Ele emprestara o ouvido a Darcy em momentos decisivos para sua queda — como no comício da Central, em 13 de março. Naquele dia, o presidente abandonou o discurso escrito e decidiu falar de improviso. Postado à esquerda de Jango no palanque, com a fala acelerada, firme e convincente de quem não tem um segundo de vacilação, Darcy lhe ditava frases incendiárias. Nove em dez historiadores concordam que Darcy Ribeiro apressou o fim do governo Goulart.

    O imperador Darcy Ribeiro nunca admitiu seu papel na derrocada daqueles que “cavalgavam com perícia o alazão da história”. Dênis de Moraes encontrou Darcy em seu apartamento de Copacabana em maio de 1988, nove anos antes de sua morte, ocasionada pelo mesmo mal que ele, galantemente, derrotara no passado. A culpa, explicou Darcy, foi dos “esquerdistas louquinhos que queriam mais caos; queriam sair do caos para o socialismo”. O delirante, portanto, se enxerga racional e direitista em um governo que um dia antes de cair defendia a estatização de todas as companhias aéreas em operação no país e cujo ministro da Fazenda foi obrigado a abortar o plano de congelar os depósitos bancários dos brasileiros como forma de debelar a inflação — maluquice posta em prática pouco menos de trinta anos depois por outro governo que, curiosamente, também foi apeado prematuramente do poder. A farsa se repetiu como farsa. O Brasil e sua história não são mesmo para diletantes, como mostra o professor que queria metralhar os adversários, declarar-se imperador e se via como um moderado cercado de “esquerdistas louquinhos”.

    Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.

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