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João Goulart: Bom coadjuvante, mau protagonista

TEXTO PUBLICADO NA EDIÇÃO DE VEJA DESTA SEMANA Augusto Nunes Os três únicos brasileiros que assumiram a Presidência depois da República Velha sem ter completado 50 anos não chegaram ao fim do mandato. Jânio Quadros (44), um assombroso fenômeno regional que nunca havia visitado o Palácio do Planalto nem dormira mais que duas noites na […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 10h52 - Publicado em 5 set 2011, 17h40

TEXTO PUBLICADO NA EDIÇÃO DE VEJA DESTA SEMANA

Augusto Nunes

Os três únicos brasileiros que assumiram a Presidência depois da República Velha sem ter completado 50 anos não chegaram ao fim do mandato. Jânio Quadros (44), um assombroso fenômeno regional que nunca havia visitado o Palácio do Planalto nem dormira mais que duas noites na nova capital, imaginou que o Distrito Federal fosse São Paulo em miniatura. Rompido com a maioria do Congresso, renunciou no sétimo mês de governo. Fernando Collor (40) imaginou que Brasília fosse uma grande Alagoas. Ampliou o patrimônio sem cautelas, virou as costas ao Legislativo e foi despejado pelo impeachment dois anos e meio depois da posse. A terceira vítima da maldição dos 40 não exibe qualquer semelhança com os companheiros de infortúnio, demonstra o historiador e pesquisador Jorge Ferreira em João Goulart – Uma biografia (Editora Civilização Brasileira; 713 páginas; R$ 69).

Jânio e Collor cediam a impulsos juvenis, tinham muita pressa e nenhuma intimidade com o poder central. Em setembro de 1961, quando substituiu o único chefe de governo que abandonou o emprego voluntariamente, João Goulart tinha apenas 43 anos. Mas também tinha muita paciência, tornara-se um ótimo ouvinte, assimilara a arte da conciliação, pensava demoradamente antes de agir e se movia com desembaraço no Olimpo federal. Veterano de muitas guerras, o gaúcho quarentão compreendeu já no dia da renúncia de Jânio que a mais feroz de todas acabara de começar. E achou que estava pronto para vencê-la.

Como ressalta Jorge Ferreira, Goulart emergiu do anonimato ainda na década de 50, quando o jovem fazendeiro se tornou confidente, depois pupilo predileto e enfim o principal herdeiro de Getúlio Vargas, o ex-ditador desterrado na estância do Itu, no Rio Grande do Sul, desde a implosão do Estado Novo. Para sempre associado ao mito que governou o país por quase 20 anos, e continuou influenciando poderosamente o comportamento do eleitorado por mais 10, Jango elegeu-se deputado estadual, secretário de Estado, deputado federal, ministro do Trabalho e duas vezes vice-presidente da República. “João Goulart se formou em Direito e, sobretudo, em política brasileira, pelas mãos de Vargas”, lembra Jorge Ferreira. O aluno aplicadíssimo aprendeu muito. Mas há o que não se aprende em lugar nenhum. Carisma, por exemplo, é marca de nascença. E a centelha que identifica o líder de massas não é uma graça alcançada. É uma escolha do destino

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A narrativa de Jorge Ferreira permite acompanhar a centímetros de distância a trajetória percorrida por Jango desde a infância em São Borja até a morte na fazenda na Argentina, ao lado de Maria Thereza ─ a mais jovem, bela e injuriada das primeiras-damas. As mais de 700 páginas também escancaram as virtudes e os defeitos de Jango. Embora não oculte a simpatia pelo biografado, o autor não sonega aos leitores os equívocos e escorregões que acabaram por transformar o governo João Goulart no caminho mais curto para a ditadura militar. Incomodado com a “condenação ao esquecimento” que teria sido imposta ao seu personagem pelos historiadores, Ferreira às vezes se entrega à tentação de incluí-lo na rarefeita galeria dos estadistas. Mas o conjunto das informações reunidas no livro se encarrega de corrigir exageros. Se não foi o arquiteto da república comuno-sindicalista satanizada pelos militares ultraconservadores, nem o burguês que, aos olhos da esquerda primitiva, mascarava com jogadas demagógicas a cumplicidade com o Brasil conservador, Jango tampouco foi uma reedição remoçada de Getúlio Vargas.

Corretamente, Ferreira argumenta que não se pode tratar como um populista sem qualidades o herdeiro indiscutível do maior político brasileiro do século 20. Vale ressalvar, contudo, que o legado incluiu os ódios represados entre agosto de 1954, quando Getúlio se suicidou no penúltimo ano de mandato, e março de 1964, quando os militares tomaram o poder. E não custa registrar as diferenças que separam o mestre do discípulo. Getúlio nasceu para o papel principal. Jango foi sempre um grande coadjuvante. As festejadas performances em papeis secundários, aliás, podem tê-lo desqualificado para encarnar o protagonista. Ministro do Trabalho de Getúlio, por exemplo, ganhou força entre os sindicalistas ao garantir um aumento de 100% no salário mínimo. Em contrapartida, jamais se livraria da suspeita de flertar com comunistas.

Em 25 de agosto de 1961, o almirante Sylvio Heck, ministro da Marinha de Jânio, certamente pensava no ex-ministro do Trabalho ao resumir para Jânio o pensamento das Forças Armadas: “Nós levamos tanto tempo para tirar essa gente do poder. Como é que o senhor vai entregar-lhes novamente o governo? ” ‘Essa gente”, confirmou o tom depreciativo, era a grande seita getulista em geral e, em particular, João Belchior Marques Goulart, promovido a cardeal depois da morte do seu único deus. “Eu tinha certeza que os militares não aceitariam Jango”, contou muitos anos depois. Ninguém podia então adivinhar, no momento da renúncia, que a instituição do regime parlamentarista adiaria por dois anos e meio o desfecho do drama, narrado pormenorizadamente nos capítulos reservados à agonia do regime democrático.

Essas páginas contribuem para transformar João Goulart – Uma biografia em leitura indispensável aos interessados em compreender aqueles tempos crispados ─ e descobrir por que, como a mudança das estações, a queda era inevitável. É compreensível que se tenha consumado sem resistência. Jango nunca olhava as pessoas nos olhos. Desafiado pelas tropas insubordinadas, não quis contemplar o olho do furacão.

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