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Augusto Nunes

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Karl Marx em Pequim?

A resposta mais correta é um absoluto não. E isso começa pelo próprio acervo de diagnósticos característicos da interpretação marxista

Por Marcos Troyjo
Atualizado em 30 jul 2020, 20h28 - Publicado em 12 Maio 2018, 23h44
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  • Marcos Troyjo

    No último sábado, 5 de maio, ao lado da foice e do martelo na parede de fundo do Grande Salão do Povo em Pequim, fulgurava o rosto de Karl Marx numa sessão especial do Parlamento Chinês em homenagem aos 200 anos de nascimento do filósofo alemão.

    Naquela semana, também foi desvelada, em Trier, cidade natal do autor de O Capital na Alemanha, uma escultura em bronze de 4,4 metros de Marx. Detalhe: a estátua foi um presente do governo chinês.

    Essa reverência dos chineses à figura de Marx é intrigante. Será que entendem ser a adoção de princípios formulados e prescritos por Marx o segredo para a arremetida chinesa à atual condição de superpotência econômica global? Haveria na produção conceitual de Marx a chave do segredo do sucesso não apenas da China, mas de outras economias em desenvolvimento?

    A resposta mais correta é um absoluto não. E isso começa pelo próprio acervo de diagnósticos característicos da interpretação marxista. Como é de notório conhecimento, em sua interpretação da dinâmica capitalista, Marx previa que uma revolução proletária se daria primeiramente nos países de Industrialização avançada. Nelas, teriam desaparecido por completo resquícios da sociedade feudal ou de períodos em que a atividade laboral ainda estivesse vinculada a modos de produção mais artesanais.

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    Ora, a China de 1949, ano da Revolução Maoísta, é uma polifônica confusão entre o legado de uma estrutura feudal arquitetada ainda em suporte ao regime das dinastias imperiais e uma ética fortemente delineada pela influência onipresente do confucionismo.

    A realidade chinesa jamais se conformaria como caso típico de sociedade madura a uma revolução socialista como vislumbrada pelo “materialismo científico”. No limite, seria uma impostura defender que na China imediatamente pré-Mao antagonizavam-se uma burguesia funcional e ciosa de seus interesse e um imenso contingente de trabalhadores organizados a pegar em armas de modo a catalisar a revolução.

    Aliás, ainda que se possam encontrar paralelos entre a formação do Partido Comunista Chinês e as receitas conceituais marxistas de ditadura do proletariado, não há nada da experiência concreta chinesa de 1949 a 1978 que credite o período como de avanço econômico e social.

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    Numa palavra, nos trinta anos de autocracia chinesa que se seguiram à conquista do poder pelo grupo de Mao, a China não estava indo a lugar algum. Seus esquemas de planejamento e coletivismo, na agricultura e na indústria, são de um fracasso retumbante.

    Sua orientação de política externa e comercial, numa confusa mistura de autarquia como método e autossuficiência como objetivo, apenas insularizaram ainda mais a China. E a aventura da Revolução Cultural, com seus múltiplos crimes, é de um assombro monstruoso.

    Interessante notar que é apenas quando a China se afasta de muitas das posologias marxistas no fim dos anos setenta — com uma política de abertura para o mundo, reconhecimento da propriedade privada e do direto de enriquecer, e ampliação de práticas econômicas concorrenciais — que o país consegue alçar os primeiros voos de sua vertiginosa arremetida. Para tanto, contribui também uma série de estratégias que nada guardam de relação com postulados marxistas.

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    Muito do êxito chinês nessas últimas quatro décadas não se conseguiu com o distanciamento do núcleo das economias capitalistas centrais. Bem ao contrário, foi com o incremento do acesso chinês a esses mercados, mediante a outorga que EUA e Europa ofereceram a exportações chinesas como oriundas de nação mais favorecida, que o país logrou alcançar o presente ranking de maior nação comerciante do planeta. Além disso, por anos a fio os chineses mantiveram artificialmente achatados os salários — como fatia do PIB — de modo a acrescentar ainda mais atratividade a suas exportações.

    Ainda, ao contrário que sugeria Marx, a China coibiu — e continua a coibir — a associação independente de trabalhadores por meio de sindicatos. E o sistema de gestão do Partido Comunista nada tem que ver com uma expressão “administrativa” da representação dos trabalhadores. Trata-se muito mais de estrutura assemelhada à burocracia meritocrática e funcional do mandarinato das dinastias imperiais.

    O perfil contemporâneo da China é ainda mais distante de preceitos marxistas. Xi Jinping é hoje o principal defensor da globalização econômica. A China é um país com imensas diferenças sociais, que conta com o maior número de indivíduos milionários e, levando em conta as mulheres super-ricas, é a nação com mais bilionárias.

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    Quanto à presença do Estado na economia, que Marx também desejava crescente, vale salientar que hoje o contingente chinês de população economicamente ativa empregado no setor público é metade daquele que observamos na — supostamente capitalista — França.

    E a carga tributária na China representa apenas 18% do PIB, essencialmente a metade do que pagamos num país —nominalmente — de livre mercado como o Brasil. Ademais, a quase totalidade das universidades na China é governamental, mas praticamente inexiste o ensino gratuito. Todos têm que pagar.

    Nada ilustra tão bem como a China se distanciou das ideias marxistas do que uma adaptação de frase encontrada no Manifesto do Partido Comunista. Ao comentar o desencadeamento vigoroso das forças produtivas do capitalismo, Marx indicava que “as mercadorias baratas são a artilharia pesada com que se derruba todas as Muralhas Chinesas”.

    Na verdade, nestas últimas quatro décadas, foram as mercadorias baratas chinesas que abalaram as estruturas dos mercados ocidentais e produziram uma das mais estonteantes ascensões da história econômica mundial.

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