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O derrotado no momento do nocaute

Ninguém cai como Maguila, constatou o jornalista David Coimbra. Perfeito. O sergipano Adilson Rodrigues fez bonito num punhado de lutas não tão perigosas, infiltrou-se num dos rankings dos 10 melhores da categoria peso-pesado, até pareceu flertar com o cinturão de campeão do mundo. Ainda que tivesse chegado lá, não seria lembrado pelos nocautes que impôs, […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 5 jun 2024, 21h24 - Publicado em 21 jul 2009, 19h04

Ninguém cai como Maguila, constatou o jornalista David Coimbra. Perfeito. O sergipano Adilson Rodrigues fez bonito num punhado de lutas não tão perigosas, infiltrou-se num dos rankings dos 10 melhores da categoria peso-pesado, até pareceu flertar com o cinturão de campeão do mundo. Ainda que tivesse chegado lá, não seria lembrado pelos nocautes que impôs, mas pelas quedas que sofreu.Todas magníficas, nenhuma igualou o desabamento que colocou um tremendo ponto final no combate contra Evander Holyfield.

Quando o soco do grandalhão americano explodiu no queixo frágil, Maguila foi arrancado da superfície e flutuou, durante os dois mais longos segundos, a 15 centímetros de altitude. E então o corpanzil calculado em arrobas começou a tombar de costas até a colisão estrondosa contra a lona. “Madeira!”, gritariam todos os lenhadores canadenses se a medonha agitação do tronco não desmentisse a imobilidade da copa.

De olhos fechados, Maguila conseguiu materializar num ringue a imagem de Nelson Rodrigues: espanou a lona com arrancos de cachorro atropelado. David Coimbra tem razão: ninguém jamais caiu como Maguila. Nem pugilistas nem políticos brasileiros. No momento do despejo desonroso, Fernando Collor até ficou parecido com o lutador nordestino. Engano. Maguila nunca mais apareceu no cenário da tragédia. O ex-presidente está de volta à Praça dos Três Poderes. Com boa saúde, aparentemente.

Consumado o nocaute, nossos pais da pátria lembram um dos melhores momentos do livro Fama & Anonimato (Editora Companhia das Letras), do jornalista Gay Talese. Conciso e contundente como um hook no fígado, o americano Floyd Patterson, que perdera meses antes o título mundial dos pesados para Sonny Liston, narra as contraditórias sensações que viveu ao ser atirado à lona, no primeiro assalto, por uma violenta sequência de golpes do novo campeão:

httpv://www.youtube.com/watch?v=9_cvyvIqNvU

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“Quando você é nocauteado, a sensação não é ruim, é até boa. Você não sente dor. Só se sente fortemente inebriado, como se flutuasse. Não vê anjos nem estrelas, apenas é envolvido por uma névoa agradável. Depois daquele soco de Liston, imaginei que toda a plateia havia subido ao ringue e me rodeava carinhosamente, como uma grande família”.

Nas fímbrias do coma, Patterson conta que lhe bateu a vontade de acenar para o público. “Disseram que cheguei a sorrir”, diz. “É bem possível”. Mas aos poucos o derrotado vai recobrando a consciência ─ até compreender o que aconteceu. E então o assaltam,  simultaneamente, a vergonha imensa e o desejo incontrolável de cavar um buraco no meio do ringue e escapar do adversário, da plateia, do estádio, do mundo.

Revejo as imagens do curtíssimo combate, releio o parágrafo que abre o relato de Patterson e penso em José Sarney.  Fulminado pela devastadora sucessão de fatos criminosos descobertos nos últimos meses, o presidente do Senado está no primeiro estágio do nocaute. Como Patterson, parece envolto numa névoa agradável. Sorri, acena para os jornalistas, recita  discursos, como se nada de terrível tivesse ocorrido. Patterson foi confrontado com miragens. Sarney está efetivamente rodeado por parentes carinhosos, amigos solícitos e áulicos otimistas, circunstância que retarda o entendimento das coisas. O velho campeão ainda não compreendeu que a queda é irreversível, que não conseguirá reerguer-se. Logo enxergará a extensão da derrota.

Mas jamais lhe ocorrerá a ideia de enfiar-se em algum buraco e sumir. Só pensa nisso gente capaz de sentir vergonha.

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