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Augusto Nunes

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O dia em que o presidente sumiu

TEXTO PUBLICADO NA EDIÇÃO DE VEJA DESTA SEMANA Augusto Nunes Sete anos depois do suicídio de Getúlio Vargas, sete meses depois da posse, o presidente Jânio Quadros precipitou, com sete linhas manuscritas, a sequência de crises que desembocaria, sete anos mais tarde, no Ato Institucional n° 5 – e na instauração da ditadura sem camuflagens. […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 10h58 - Publicado em 25 ago 2011, 20h11

TEXTO PUBLICADO NA EDIÇÃO DE VEJA DESTA SEMANA

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Augusto Nunes

Sete anos depois do suicídio de Getúlio Vargas, sete meses depois da posse, o presidente Jânio Quadros precipitou, com sete linhas manuscritas, a sequência de crises que desembocaria, sete anos mais tarde, no Ato Institucional n° 5 – e na instauração da ditadura sem camuflagens. Na manhã de 25 de agosto de 1961, a democracia ainda em sua infância viu-se forçada a renunciar à maturidade, que só seria alcançada caso fossem cumpridos integralmente dois mandatos  consecutivos. O Brasil civilizado pareceu mais distante que nunca no dia em que o presidente sumiu.

Abrupto e inesperado, o último ato foi um fecho coerente para a ópera do absurdo composta desde o primeiro dia de governo, quando Jânio foi ameaçado pela maioria oposicionista no Congresso: se ele continuasse a hostilizar o antecessor Juscelino Kubitschek, uma sessão especial da Câmara e do Senado seria convocada para tratar do assunto. Ainda em 1º de fevereiro, o novo presidente revidou com a criação de comissões de sindicância, chefiadas por militares e incumbidas de investigar “focos de corrupção” que dizia ter herdado de JK.

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Nos 204 dias seguintes, o Brasil viajou numa montanha-russa monitorada por um homem de 44 anos que obedecia exclusivamente ao instinto. Tangenciando o penhasco com perturbadora frequên­cia, alternando freadas bruscas com arrancadas vertiginosas, ele aumentou o expediente dos servidores públicos, exonerou meio mundo, suspendeu nomeações por um ano, reduziu o orçamento das Forças Armadas e os quadros funcionais de todas as embaixadas, tabelou o preço do arroz e do feijão, condenou a invasão de Cuba financiada pelos Estados Unidos, planejou a anexação da Guiana Francesa, baixou medidas de combate ao monopólio, desvalorizou a moeda, determinou ao Itamaraty que restabelecesse relações diplomáticas com a União Soviética, proibiu maiô em concurso de miss, lança-perfume, briga de galo, corridas de cavalo em dias úteis e veiculação de comerciais no cinema, mobilizou o Exército para reprimir uma greve de estudantes no Recife, brigou com a maioria dos parlamentares aliados, regulamentou a remessa de juros para o exterior, enviou o vice João Goulart à China, condecorou Che Guevara e rompeu com Carlos Lacerda. No 207° dia de governo, renunciou à Presidência.

Insatisfeito com o Congresso, infeliz com a vida numa cidade que odiava, colérico com o discurso em que Carlos Lacerda o acusou de tramar um golpe de gabinete, Jânio pouco dormiu na madrugada de 25 de agosto de 1961. Saiu da cama antes que o sol nascesse disposto a tirar o sono dos demais brasileiros. Depois do café da manhã ao lado da piscina do Palácio da Alvorada, sobressaltou a mulher, Eloá, com outra frase de novela mexicana: “A conspiração está em marcha, mas vergar eu não vergo!”.

Às 6 horas, já no Planalto, chamou a seu gabinete alguns assessores de confiança e, alisando o bigode de dono de botequim, antecipou a manchete da próxima edição de todos os jornais: “Comunico aos senhores que renuncio, hoje, à Presidência da República”. Durante o desfile do Dia do Soldado, convocou os três ministros militares para uma audiência – e para deixá-los atônitos com a notícia. Rejeitou os apelos para ficar com outro palavrório solene que terminava com a identificação do culpado: “Ajustem o novo Brasil às exigências do Brasil novo. Com esse Congresso eu não posso governar”.

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SURTO DE SINCERIDADE
Sem pausas, ordenou ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, que entregasse ao presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, a carta que redigira no dia 19, depois de  condecorar Che Guevara. Na hora do almoço, embarcou rumo à base aérea de Cumbica, para a demorada escala que precedeu a partida para a Europa a bordo de um navio cargueiro. No dia 26, o país, imerso na perplexidade, pareceu afundar na crise provocada pelo veto dos chefes das Forças Armadas à posse do vice João Goulart.

“Ele foi a UDN de porre no governo”, resumiu Afonso Arinos de Mello Franco, ministro das Relações Exteriores. “Faltou alguém trancá-lo no banheiro”, lastimou. Só se fosse para sempre, sabe-se hoje. Algumas horas de cárcere privado só adiariam a tentativa de instituir o presidencialismo autoritário que o deixaria livre para agir. Na carta da renúncia, o signatário informou que deixara com o ministro da Justiça as razões do seu gesto. O segundo texto confiado a Pedroso Horta é um amontoado de queixas difusas, alusões a “forças terríveis”, declarações de amor ao Brasil e juras de apreço ao Povo (com maiúscula). Ele só contou a verdade alguns meses antes de morrer, em 16 de fevereiro de 1992, numa conversa com Jânio John Quadros Mulcahy, o único filho homem de Tutu Quadros.

Em 25 de agosto de 1991, trinta anos depois da renúncia, o paciente internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, foi acometido por um surto de sinceridade provocado pela curiosidade do neto. “Foi o maior erro que cometi”, lamentou. “Ao renunciar, eu quis pedir um voto de confiança à minha permanência no poder.” Foi para acentuar a sensação de vazio que despachara o vice, João Goulart, para a China. “Jango era uma espécie de Lula, completamente inaceitável para a elite”, comparou. “Imaginei que o povo iria às ruas, seguido dos militares, e que eu seria chamado de volta.”

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O intuitivo genial só esqueceu de combinar com os adversários. Auro de Moura Andrade comunicou ao plenário do Congresso que a renúncia era “um ato de vontade unilateral”, e empossou o presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzilli. Preocupados com o vice que voltava da China, os militares esqueceram o homem que desertara. E o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista que o líder jamais deixou nascer. “Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26″, contou ao neto. “Deu tudo errado. O país pagou um preço muito alto.” Jango acabaria engolido pelos quartéis. Mas seria expelido três anos mais tarde.

A tentativa de implantação de uma ditadura civil que resultou no advento de uma ditadura militar ortodoxa seria a peça mais vistosa do acervo de singularidades e paradoxos colecionados desde o berço. Jânio João Quadros segundo a certidão de batismo, o filho do médico Gabriel Nogueira Quadros e da dona de casa Leonor Silva Quadros resolveu ainda menino trocar o “João” por um “da Silva” e juntar o mais comum dos sobrenomes ao prenome inspirado em Janus, o deus bifronte. Virou Jânio da Silva Quadros – ou apenas J. Quadros, na assinatura dos bilhetinhos ou de decretos oficiais.

A CAVALGADA DAS VASSOURAS
Nascido em Campo Grande (hoje Mato Grosso do Sul), inventou quando estudante em Curitiba um estranhíssimo sotaque sem parentesco com Mato Grosso, com o Paraná ou com qualquer região. O acento personalíssimo só pode ser encontrado na voz dos imitadores. O estudante de direito da Faculdade do Largo São Francisco já exibia trajes desleixados e cabelos em desalinho, parecia pouco asseado, bebia com muita competência e apreciava frases empoladas. Tinha na cabeça (além de um dicionário alojado em algum desvão do cérebro) ideias vagamente nacionalistas e a certeza de que fora enviado pela Divina Providência para salvar o Brasil.

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Em 1947, os alunos do Colégio Dante Alighieri decidiram conseguir uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo para o professor de geografia que não fizera sucesso como advogado criminalista e não ingressara na carreira diplomática “por não corresponder aos padrões estéticos”. Foi o começo da impressionante cavalgada das vassouras, anabolizada pelo discurso que celebrava a luta do tostão contra o milhão, prometia varrer a bandalheira, punir os desonestos, enquadrar os ineptos e engaiolar os corruptos – a começar pelo inimigo preferido, Adhemar de Barros, uma espécie de Paulo Maluf sem disfarces.

Em apenas treze anos, Jânio foi deputado estadual, prefeito da capital, governador, deputado federal e presidente da República. Só ficou do começo ao fim no governo de São Paulo. Ao completar o mandato em janeiro de 1959, o líder carismático havia incorporado a imagem de administrador incorruptível. O Brasil fora feliz com JK, um mineiro risonho, generoso, tolerante, afeito ao convívio dos contrários. Mas decidiu em 1960 que o sucessor seria o mato-grossense genioso, instável, ególatra, autoritário.

Como o país, Jânio pagou caro pela renúncia ao mandato conferido por mais de 5,6 milhões de eleitores. Transformado numa caricatura de si próprio, tentou a ressurreição impossível antes e depois da cassação, em 1964. Fracassou em 1962 e em 1982 na tentativa de voltar ao governo paulista, elegeu-se prefeito de São Paulo em 1985. Aos 75 anos, morreu pensando na Presidência. E sem revelar o número da conta no banco suíço.

Cinquenta anos depois da renúncia, o Brasil parece bem menos primitivo, a democracia tem mais consistência e Jânio figura na galeria presidencial como outro ponto fora da curva. Mas tampouco parece suficientemente moderno para considerar-se livre de reprises da farsa. Países exauridos pela corrupção endêmica serão sempre vulneráveis a algum populista que, com um discurso sedutoramente agressivo, prometa varrer a bandalheira.

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