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O pesadelo real por trás do país inventado que triunfou no carnaval do Rio

BRANCA NUNES Depois dos banqueiros do jogo-do-bicho e dos traficantes de drogas, o clube dos patrocinadores do desfile das escolas de samba do Rio abriu as portas ao chefão de uma tirania africana exemplarmente infame. O novo sócio brilhou na Marquês de Sapucaí: com 239,9 pontos, a Beija-Flor sagrou-se campeã pela 13ª vez graças ao […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 02h05 - Publicado em 19 fev 2015, 19h42
A Guiné Equatorial segundo a Beija-Flor (Foto: Mauro Pimentel)

A Guiné Equatorial segundo a Beija-Flor (Foto: Mauro Pimentel)

A Guiné Equatorial real (Desirey Minkoh/AFP)
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A Guiné Equatorial real (Desirey Minkoh/AFP)

BRANCA NUNES

Depois dos banqueiros do jogo-do-bicho e dos traficantes de drogas, o clube dos patrocinadores do desfile das escolas de samba do Rio abriu as portas ao chefão de uma tirania africana exemplarmente infame. O novo sócio brilhou na Marquês de Sapucaí: com 239,9 pontos, a Beija-Flor sagrou-se campeã pela 13ª vez graças ao dinheiro extorquido do povo da Guiné Equatorial por Teodoro Obiang, ditador há 36 anos.

Ex-integrante do império colonial espanhol, terceiro maior produtor de petróleo da África Subsaariana, o país é formado por cinco ilhas e uma porção continental no oeste da África. Os 1,6 milhão de habitantes se espalham por 28 mil km² – território equivalente ao de Alagoas, a terceira menor unidade federativa do Brasil. Com uma fortuna declarada que a revista Forbes avaliou em US$ 600 milhões, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo é um dos chefes de estado mais ricos do planeta.

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A fantasia de “democracia constitucional” é rasgada pelo histórico eleitoral. Quando não é o único candidato, o dono da Guiné Equatorial nunca fica abaixo de 90% dos votos. Quem tenta fazer oposição de verdade vai para a cadeia ou para a sepultura. Tem sido assim desde 1979, quando liderou o golpe de Estado que derrubou seu tio Francisco Macias Nguema.

Em poucas horas, o tirano deposto, no poder desde a conquista da independência em 1968, foi sumariamente condenado à morte e executado a mando do sobrinho. Em seguida, o novo carrasco aperfeiçoou os instrumentos de terror utilizados pelo tio. Segundo a Human Rights Watch, Obiang valeu-se do boom do petróleo “para enriquecer às custas do povo”. E gastar sem pudores nem limites o que arrecada num grotão assolado por carências terríveis.

Seu filho (e vice-presidente) Teodorín Obiang, por exemplo, torrou US$ 30 milhões na compra de uma mansão em Los Angeles. Em contrapartida, a Guiné Equatorial amarga um desolador 144º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Entre os “países de médio desenvolvimento”, é o último colocado.

Segundo o Banco Mundial, sete em cada dez habitantes sobrevivem com menos de US$ 2 por dia. Menos da metade da população tem acesso a água potável e quase 10% dos nascidos vivos morrem antes dos cinco anos. A Anistia Internacional acusa Obiang de reprimir violentamente seus opositores, realizar execuções extrajudiciais, torturas, prisões arbitrárias, entre tantos outros atentados aos direitos humanos.

Em outubro passado, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos solicitou formalmente o confisco de dezenas de milhões de dólares em bens que se prestaram a lavagem de dinheiro. Como revelou o site 100Reporters, as autoridades americanas sustentam que figurões do regime  “adquiriram uma enorme fortuna” recorrendo ao arsenal de praxe: “extorsão, apropriação indébita, roubo e desvio de verbas públicas”.

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Nesta segunda-feira, com a fantasia oficial de vice-presidente, Teodorín acompanhou de camarote o desfile que exaltou a fraude – da comissão de frente ao último carro alegórico, passando pelo título do samba-enredo: “Um Griô Conta a História: um Olhar Sobre a África e o Despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos Sobre a Trilha de Nossa Felicidade”.

Segundo o jornal O Globo, a Beija-Flor recebeu R$ 10 milhões para dar brilho à escuridão que atormenta a Guiné Equatorial. “O dinheiro veio de financiadores culturais”, tentou despistar Benigno-Pedro Tang, embaixador no Brasil da capitania dos Obiang. “O governo não tem nada a ver com isso. O que a imprensa divulgou é uma soma muito excessiva”.

Laíla, presidente da comissão de Carnaval da Beija-Flor, embarcou na partitura da malandragem. “Tem tanta coisa para jornalistas se preocuparem, tantas mazelas, e querem pegar o Carnaval, uma escola de samba honesta, de comunidade carente, que vive na miséria, para tirar proveito”, desafinou Laila. “É sujo. A Guiné Equatorial é maravilhosa”.

Essa discurseira de patrocinado metido a esperto foi chancelada por Fran Sérgio Oliveira, também diretor da escola vitoriosa. “O povo da Guiné Equatorial é apaixonado por seu presidente. É uma ditadura? É. Mas é benéfica para a população do país”. É generosa sobretudo com os que detêm o bastão de mando. Hospedado na suíte presidencial do Copacabana Palace, Teodorín abrigou o restante da comitiva em outros seis apartamentos de luxo, cujas diárias vão de R$ 5.600 a R$ 7.200.

O dinheiro doado à Beija-Flor corresponde a quase um terço dos US$ 12 milhões que a Guiné Equatorial deve ao Brasil. Depois de anunciar que o débito seria perdoado, a presidente Dilma Rousseff achou perigoso continuar torrando dinheiro que não lhe pertence em donativos a ditadores de estimação. A quantia, segundo o Planalto, deverá ser renegociada.

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Os Obiang não se impressionam com boladas desse tamanho. Em 2009, num leilão de peças de arte em Paris, o filho gastou mais de R$ 50 milhões. O pai tem dinheiro de sobra para seguir investindo na Beija-Flor e no Carnaval. No desfile nascido para a realização de sonhos, o herdeiro do déspota se divertiu com o triunfo do pesadelo.

Teodorín Obiang (de camisa azul), filho do ditador da Guiné Equatorial, assiste ao desfile da Beija Flor na Sapucaí (Foto: Daniel Marenco)

Teodorín Obiang (de camisa azul), filho do ditador da Guiné Equatorial, assiste ao desfile da Beija-Flor na Sapucaí (Foto: Daniel Marenco)

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(Foto: Patrick Fort/AFP)

Criança num casebre da Guiné Equatorial com o onipresente retrato do ditador Teodoro Obiang Nquema (Foto: Patrick Fort/AFP)

Grupo de meninos joga futebol na Guiné Equatorial (Foto: Alexander Joe/ AFP)

Meninos jogam futebol em Malabo (Foto: Alexander Joe/ AFP)

Espécie de açougue à beira da estrada, imagem comum na Guiné Equatorial (Carl de Souza/AFP)

Um dos milhares de açougues improvisados à beira da estrada (Foto: Carl de Souza/AFP)

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