Heraldo Palmeira
O paulistano convive com seus brigadeiros famosos sem confusão. Só chama de brigadeiro a avenida Brigadeiro Luís Antônio, a rua comprida que um dia, junto com a avenida Santo Amaro, formava a antiga estrada de Santo Amaro. Hoje, liga a região da praça da Sé às franjas do Parque do Ibirapuera, dando de cara com o Monumento dos Bandeirantes e seguindo adiante por mais um trecho. E homenageia o brigadeiro que foi um dos maiores latifundiários do Estado.
A outra Brigadeiro, tratada apenas por Faria Lima em homenagem ao prefeito que iniciou sua construção nos anos 60, hoje rivaliza com as avenidas Paulista e Berrini como centro de negócios repleto de edifícios imponentes, ligando os bairros de Pinheiros e Vila Olímpia.
O trânsito na Brigadeiro estava pesado como de costume. Fiquei retido num farol — como os paulistanos denominam seus semáforos — do ladeirão, comprovando que, via de regra, os motoristas evitam mesmo fechar os cruzamentos para não piorar ainda mais o trânsito caótico.
Do outro lado da rua, na pista de descida, um daqueles enormes ônibus articulados, lotado, absolutamente inerte como tudo ao redor. Dentro dele, colado numa das janelas meio embaçadas pela diferença das temperaturas de dentro e de fora, um rosto paralisado fitando o nada.
Não havia qualquer mensagem naquele rosto; não havia nenhuma! Apenas o retrato de uma metrópole que obriga seus moradores a acordar de madrugada, enfrentar deslocamentos imensos e lentos todos os dias no caminho da sobrevivência. Que cria aquele tipo de máscara impressionante, quase comovente. A face de vidas sem sentido, sem esperança, sem futuro. A face do vazio, como que avisando que nunca haverá um lugar, destino algum.
O carro finalmente andou. Logo adiante, uma Alameda Santos dobrada à direita e menos congestionada serviria de rota de fuga para o meu compromisso no Paraíso. Pensei em mim dentro daquele táxi guiado por um senhorzinho de conversa agradável, ar condicionado, boa música, conforto. Pude perceber que tenho atravessado a vida com um pouco mais de razões para a motivação que não havia no rosto daquela mulher do ônibus que seguiu ladeira abaixo.
Fiquei atento aos cruzamentos que se seguiram no meu trajeto, imaginando o que buscavam aquelas tantas pessoas que se moviam apressadas em seus motos-contínuos cotidianos. O meu silêncio foi ficando incômodo, pois também me peguei pensando a respeito do sentido do meu próprio moto-contínuo.
Quando surgiu na minha cabeça a velha pergunta “Quem somos, de onde viemos, para onde vamos?”, vi que estava na hora de reestimular a prosa com o taxista e deixar a roda girar. Nada melhor do que jogar conversa fora! O resto é destino. Ou não!