VLADY OLIVER
– Pai, matei minha filha. O que eu faço agora?
– Joga o corpo pela janela…
O diálogo improvável acima é a síntese de uma degradação humana de proporções inimagináveis. Nele, um avô manipulador, frio e calculista ensina a um filho mimado e explosivo como apagar a prova do crime cometido. O detalhe sórdido dessa equação tenebrosa é que a prova do crime hediondo era a neta de um e a filha do outro. Mas isto é um espaço político. Então vamos falar de crimes políticos?
Uso este exemplo para enfatizar algo em andamento nas atuais delações premiadas, tão esmiuçadas por aí. Todos os governantes admitem que crimes podem ter acontecido em suas administrações. O problema é que, com o PT no poder, é a primeira vez que o crime é uma natureza, uma mentalidade e um método de governo. Isto eles não querem assumir.
Diante da enxurrada de provas levantadas pela polícia até agora, torna-se impossível negar os crimes cometidos. Mas é imperioso, para essa gentinha torta, fingir tratar-se de crimes comuns, iguais a tantos praticados por todo tipo de político, quando não são. Notem que o Mensalão já havia denunciado a intenção do próprio STF de negar a existência de uma quadrilha no poder. É a ponta de um iceberg marreta; de uma criança inocente atirada ainda viva pela janela do prédio, para encobrir os desvios de uma mente criminosa em busca de saídas para safar-se safar da punição.
Trata-se de uma visão escabrosa desse apocalipse. Uma visão torta, que tenta impedir que saibamos estarmos diante de uma “sofisticada organização criminosa”, que se torna sofisticada não por si mesma, mas quando consideramos que outros elementos – o avô do crime acima citado – sairão impunes do resultado hediondo, embora todos saibamos tratar-se dos mentores intelectuais do golpe em andamento.
“Não temos bandidos de estimação” – bradam os decentes. O que não fica claro é essa relação de dependência – quase simbiótica – entre os inimiguinhos do PT e do PSDB. Há um estudo neurocientífico em andamento que tenta precisar o momento de nossa evolução cerebral onde adquirimos uma “consciência de justiça”. Meio reducionista, o estudo em questão não leva em consideração uma questão de fundo primordial para o entendimento dessa mecânica: toda vez que imputamos culpa a um inocente, acabamos imputando também a inocência de um culpado. O “terceiro agente” acaba desconsiderado na questão e é ele, em última análise, o responsável pela criança ter voado para a morte, num quadro de absoluto desvalor da vida e dos laços familiares que, em tese, deveriam nos unir.
Acredito que certos políticos – FHC e Aécio Neves, por exemplo – são citados nas delações premiadas quase como um mantra de uma natureza. Um contraponto. Um álibi da calhordagem. O que de verdade existe nos relatos dos criminosos confessos nessas colaborações com a polícia é o que deve ser investigado. Parece senso comum que certos crimes existiram, embora o propósito destes crimes seja diametralmente oposto aos da quadrilha ora investigada pela Justiça. Não importa. Crime é crime e merece punição.
O crime de “formação de quadrilha”, no entanto, solenemente desconsiderado pelo tribunal mais importante do país, parece denunciar que a quadrilha é bem maior do que as investigações nos levam a concluir, chegando inclusive ao pusilânime aparelhamento do Estado, Congresso e Justiça, que permite a impunidade destes meliantes com mandato, patrocinada pelos “amiguinhos”, oriundos da mesma natureza torpe, comungando da mesma mentalidade bronca.
Há uma manipulação em curso, meus caros. Por ela, Sergio Moro deve explicações para a Justiça, mas Dilma Rousseff não. Já notamos, portanto, que a “justiça achada no lixo” está em andamento, tramando uma visão torta das coisas, mais para confundir que para esclarecer os potenciais jurados dessa ação cívica. Alguém vai sair impune dessa vigarice. Que saibamos não cair de novo nesse conto do vigário. Por ele, essas esquerdas não fizeram nada demais. São “vítimas” de um sistema. Tenha paciência.
Notem que aquele diálogo fictício no início deste texto incriminaria – se fosse gravado – o mentor intelectual daquela tragédia. Aquele diálogo não foi gravado, mas todos os outros foram. E mostram inequivocamente uma quadrilha em atividade, buscando blindar seus agentes e parceiros criminosos. Negar essa existência por firulas judiciais é o que está em andamento por aqui.
Por saudosas declarações de compadrio também. Ou será que Gabeiras e Marinas Silvas foram pegos de surpresa pela linguagem chula do cafajeste denunciado nessas escutas telefônicas? “Palavrão todo mundo fala” – dirão alguns. Não é disso que estamos tratando. Não é a linguagem, mas a intenção. Ou será que um “avô zeloso” não estava cuidado da defesa de um filho, no diálogo que imaginei acima? Eu não sei como esses juízes dormem de noite. Talvez não durmam, acossados por uma estranha visão da ilegitimidade daquilo que andam professando.
É torpe. É a justiça que não para em pé. A menina ainda está caindo da janela, indefesa. Continuará caindo por todo o sempre, enquanto houver consciência, inocentes e senso de justiça e ser defendido, sem ambiguidades e relativismos por aqui. Tá ouvindo o barulho da cabecinha dela batendo na grama? Pois devia.