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Augusto Nunes

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Perigos de uma campanha precoce

A vulnerabilidade atual da Lava Jato é aparecer como aliada de Bolsonaro. É um instrumento do Estado e deveria ter seus métodos próprios de defesa

Por Fernando Gabeira
Atualizado em 30 jul 2020, 19h34 - Publicado em 12 jul 2019, 12h39

Fernando Gabeira (publicado no Estadão)

A reforma da Previdência e o acordo comercial com a União Europeia são dois temas que podem animar a economia. Mas não se pode superestimá-los. Um trabalho de reconstrução demanda um trabalho diuturno.

O clima de campanha política não é o melhor para desenvolver essas tarefas. Bolsonaro falou duas vezes em concorrer de novo em 2022. Espera entregar um País melhor em 2026, mas parece ignorar que passará pelo grande julgamento no final do primeiro mandato.

O vazamento entrou na campanha. Moro decidiu por uma saída política, contando com a ambiguidade: os diálogos podem ou não ser verdadeiros. Bolsonaro abraçou a Lava Jato com o mesmo entusiasmo com que levantou a taça da Copa América.

Duas estratégias podem ser desenhadas. A de Bolsonaro, manter o apoio, independentemente do que digam a Justiça e a opinião pública no fim do processo. Sabe que uma independe da outra e que a fidelidade popular à Lava Jato se tem mantido a ponto de ainda ser a melhor escolha eleitoral. Já a estratégia da esquerda, que recusou uma autocrítica, conta com o desgaste da Lava Jato para consagrar a sua tese de que a operação foi uma grande manobra para derrotá-la.

Mas o Brasil não se resume a esses dois grandes blocos. No caso específico da Lava Jato, nem todos os que a apoiam compartilham as teses ultrapassadas de Bolsonaro. Assim como nem todos os que questionam Moro necessariamente acreditam na inocência da esquerda.

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Ainda haverá uma decisão da Justiça baseada nesses vazamentos. Andará alguns passos. Um deles é verificar a autenticidade do material. O outro, creio, é examinar todas as frases dentro do seu contexto. Isso se for vencida a etapa inicial: reconhecer ou não as provas obtidas ilegalmente.

A Lava Jato é, de longe, a mais importante operação contra o desvio de dinheiro público no Brasil. Pelo número e pela importância dos condenados, pelo dinheiro devolvido, pela repercussão continental na política.

Outro dia viajei com um motorista peruano. Contei que cobri a eleição de Ollanta Humala contra Keiko Fujimori. “Pois é, ambos presos”, comentou.

A operação dispôs-se a realizar seu trabalho sob a legalidade e submeteu seus principais passos ao Supremo. Passou por esse teste. Mas agora se vê diante de um novo desafio. Seus documentos públicos e oficiais não são escrutinados, mas, sim, as conversas pessoais colhidas num aplicativo.

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Era uma operação para desmontar uma organização criminosa, conforme definiu o próprio ministro Celso de Mello. Depois de algumas vitórias e alguns embates, não me surpreende que houvesse um vínculo entre juiz e promotores conscientes de que estavam lutando contra algo muito forte.

Diante de uma organização criminosa só seria eficaz um enfoque sistemático. Não se pode ignorar que era composta de indivíduos com seus direitos. Nesse caso, haveria um desvio autoritário. Mas ignorar que existia uma quadrilha e que eram mais do que indivíduos vulneráveis diante do Estado, no meu entender, é uma visão romântica.

Os sucessivos fracassos das operações anteriores à Lava Jato esbarraram em procedimentos legais. Trata-se de operações realizadas no universo político, em que o filtro é mais rigoroso. Colocam o problema básico: como combater uma organização criminosa dentro desse universo, no qual a grande barreira são o rigor e as filigranas jurídicas?

Fora do crime político não há grande inquietação. Os processos contra o PCC, o Comando Vermelho ou a Família do Norte são desconhecidos nos detalhes, no seu curso legal, quanto mais nas trocas de mensagens pessoais dos seus agentes. Pouco sabemos dos juízes forçados a viver com escolta armada.

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Como as coisas aconteceram num mundo mais sofisticado, o debate é sobre o Estado de Direito em sua visão mais rigorosa. Num primeiro e cauteloso artigo sobre o material vazado afirmei que, na minha opinião de leigo, o juiz poderia indicar provas, sobretudo quando estivesse diante de uma organização criminosa e sua omissão a favorecesse.

O material da VEJA traz uma frase em que Moro lembra ao procurador a necessidade de inclusão de um cheque nas provas. No artigo, escrevi também: o juiz precisa ter serenidade para avaliar a prova, mesmo tendo pedido a sua inclusão. Pode rejeitá-la no contexto da sentença.

No caso mencionado pela VEJA, Moro, um especialista em crimes financeiros, teria pedido a prova e depois absolvido o réu. O que era apenas uma hipótese no artigo, escrito muito antes de o caso vir à tona, parecia confirmar-se ali. No entanto, Moro desmentiu o diálogo vazado e afirmou que seria esquizofrênico incluir provas e absolver a pessoa em seguida.

Em síntese, para não repetir o adjetivo de Moro, meu argumento parece estapafúrdio. Ou, então, apenas fora de lugar numa batalha marcada pelo cálculo político que aciona as paixões nas redes.

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Não acredito que no final desse episódio as conquistas da Lava Jato sejam anuladas. No entanto, está em jogo também um modelo de combate ao crime organizado.

O núcleo combatido pela Lava Jato teve a assistência de talentosos advogados, que produziram um cipoal de interpelações e recursos. Nunca se viram tantas táticas na Justiça comum. Nenhum outro processo atual foi tão discutido em instâncias superiores.

A Lava Jato sobreviveu e tem sobrevivido no STF e na gratidão pública, apesar dos vazamentos envoltos em suspense e de uma dose de sensacionalismo. Sua vulnerabilidade atual é aparecer como aliada de Bolsonaro. É um instrumento do Estado e deveria ter seus métodos próprios de defesa.

Todos sabemos o que é uma campanha política no Brasil. Uma campanha precoce, então, leva para as profundezas o nível do debate.

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