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Augusto Nunes

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Racismo para todos

Vivemos um tempo em que não é mais preciso ser branco para ser racista. O racismo, hoje, está ao alcance de todos

Por J.R. Guzzo
Atualizado em 30 jul 2020, 19h30 - Publicado em 12 ago 2019, 07h14

J.R. Guzzo (publicado na edição impressa de VEJA e no Blog Fatos)

O jovem vereador Fernando Holiday, de São Paulo, é uma vítima regular de ataques racistas praticados neste Brasil tão ansioso, hoje em dia, para policiar as mínimas suspeitas de discriminação racial. Holiday é negro. É também um político de direita — e, entre outras opiniões adequadas à sua visão do mundo, costuma dizer que é contra o sistema de cotas raciais que se propõe a diminuir as desigualdades existentes entre os negros e outras etnias. Por causa disso é acusado em público de ser um “traidor” da sua raça, um “capitãozinho do mato” e daí para baixo. Insultar um negro com essas palavras é melhor do que chamá-lo de “preto safado”? Claro que não é — por que seria? Mas ninguém nos “movimentos negros” abre a boca para dar um pio em sua defesa; pelo jeito, acham que o vereador merece as ofensas que recebe. Cometeu o delito de falar coisas proibidas para alguém como ele.

Quer dizer que Holiday não pode ser contra as cotas — ou contra qualquer outra coisa que lhe der na telha — em razão da cor da sua pele? Pelo fato de ter nascido negro não tem direito a ideias próprias? Não está autorizado a ser de direita, como ele mesmo se define? Não, não e não. Um negro no Brasil de hoje só pode ser contra aquilo que lhe permitem. Também não tem direito a pontos de vista pessoais. Enfim, tem de ser de esquerda, ou coisa parecida. O resultado prático disso aí é que pessoas como o vereador estão condenadas a viver numa senzala ideológica. A regra, ali, é clara: “Negro é para pensar como a gente manda”. Não se trata, apenas, de racismo explícito — o ato de permitir ou proibir um ser humano de fazer ou deixar de fazer algo por causa de sua cor (uma atriz brasileira foi proibida há pouco, aliás, de receber o papel principal de um filme em razão da cor da sua pele; não foi considerada negra o bastante). É também uma agressão à liberdade individual. Se não pode ser contra isso ou aquilo, o negro também não vai poder ser a favor; não é possível tirar a liberdade das pessoas por partes. Quando um pedaço vai embora, o resto vai junto.

É realmente curioso que se cometam atos de racismo acusando gente como Fernando Holiday de ser “racista” — justo ele, que é negro, pobre e nascido em São Paulo. Fazer objeções ao sistema de cotas, ou ao feriado da Consciência Negra, como ele faz, é uma prova de “racismo” pelo código em vigor no “movimento negro” ou na esquerda branca. Não seria possível, pelo menos, uma discussão do ponto de vista técnico, já que um assunto como as cotas está aberto a uma abordagem baseada em fatos objetivos? Não, não é possível. Fim de conversa. “Antigamente, quem acreditava que todos deveriam jogar com as mesmas regras e ser julgados pelos mesmos critérios era considerado um radical”, comenta Thomas Sowell, economista, filósofo político e cientista social americano. “Hoje é chamado de racista”.

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“Não é possível tirar a liberdade das pessoas por partes. Quando um pedaço vai embora, o resto vai junto. É uma agressão à liberdade individual”.

Sowell, aos 89 anos, tem ideias claras sobre racismo e diversos outros temas — elas estão entre as mais luminosas que há por aí, e fazem dele um dos pensadores-chave da nossa época, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar do mundo. No caso das cotas, acha que são ineficazes como ferramenta para a ascensão social, carimbam o negro como um cidadão diferente e eternizam sua situação de desigualdade. Acontece que Sowell é negro, e tem um problema sem solução — é um negro de direita e, aí, nada do que diz vale um tostão. A cor de sua pele não deveria proibi-lo de ter as ideias que quisesse. Mas não é assim, mesmo com um homem da sua estatura — segundo o “movimento negro”, Sowell é um “preto de alma branca” etc. A questão central, aqui, é a seguinte: que movimento é esse, na vida real? São organizações que aparecem na mídia como representantes da população negra do Brasil e do mundo. Mas não é isso.

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Trata-se, na verdade, de associações, “coletivos” e grupos privados, sem situação legal definida, ou o direito de representar a etnia negra — dentro da qual, aliás, não se sabe quem está ou não está. Seus dirigentes não são eleitos por ninguém, negros ou de qualquer cor, para falar por ninguém. As diretorias do “movimento negro” são escolhidas sem coisa alguma vagamente parecida com uma eleição livre; a população negra do Brasil não vota em nada disso. Os grupos não são abertos aos negros em geral — não admitem gente conservadora. Todos estão pendurados de alguma forma no Erário, em secretarias federais, estaduais e municipais de “Igualdade Racial”, com salário, aposentadoria e todo o resto. Não existe nada de novo nisso. “Há uma classe de negros que transformou num negócio a atividade de manter vivos, aos olhos do público, os problemas, as injustiças e os sofrimentos do povo negro”, dizia Booker T. Washington há mais de 100 anos. “Ao verem que conseguem ganhar a vida assim, desenvolveram o hábito de denunciar o racismo o tempo todo — eles não querem que os negros deixem de ter queixas, porque não querem perder os seus empregos”.

Booker T. Washington não era um adepto do branqueamento da sociedade, nem um racista militante, nem um integrante da elite branca. Nascido escravo no sul dos Estados Unidos, pouco antes da abolição, educador, escritor e conselheiro de presidentes, foi um dos primeiros negros a liderar o movimento contra a discriminação racial em seu país e no mundo. O fato, como diz ele, é que se tornou indispensável e lucrativo para muita gente manter o racismo vivo — repetindo, por exemplo, que o Brasil é “um dos países mais racistas do mundo” e outros disparates sem nenhuma comprovação por meio de fatos. “O racismo não morreu, mas está vivendo à base de aparelhos”, diz Sowell. “É mantido em vida por políticos, vigaristas raciais e pessoas que se sentem superiores por denunciar outras como racistas”. Obviamente o preconceito racial contra os negros está presente e ativo no Brasil — nunca deixará de estar, aqui e em qualquer país do mundo onde houver pessoas dispostas a desrespeitar a lei e cometer crimes. Obviamente, também, há gente se aproveitando disso para ganhar a vida, praticar demagogia política e levar vantagem.

Um dos desastres dessa situação é a guerra aos fatos e à liberdade do debate. É uma realidade histórica, por exemplo, que mais escravos brancos foram levados para a África, no correr dos séculos, do que escravos negros para os Estados Unidos. Na verdade, em 10 000 anos de história da civilização, houve muito mais escravos brancos e de outras etnias do que negros. Também não há registro de africanos trazidos para a América que não tenham sido escravizados primeiro por chefes, reis e delinquentes negros — e só depois vendidos a traficantes brancos. Tudo isso são apenas fatos. Trata-se de realidades neutras, e não de crenças ideológicas. Sua discussão aberta poderia ajudar a melhor compreensão de toda a tragédia da escravidão. Mas é proibido, pelo pensamento politicamente correto, tocar no assunto; a mera tentativa de dizer que tais fatos aconteceram é automaticamente acusada de um ato de racismo.

Vivemos um tempo em que não é mais preciso ser branco para ser racista. O racismo, hoje, está ao alcance de todos.

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