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Augusto Nunes

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Roberto Pompeu de Toledo: Machadianas

O país real revela os melhores instintos; mas o país oficial é caricato e burlesco

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 21h21 - Publicado em 13 nov 2016, 19h11

Publicado na edição impressa de VEJA

A Constituição dizia que, ocorrendo vaga na Presidência nos dois primeiros anos do mandato, seriam realizadas novas eleições. Mas, por ocasião da renúncia do marechal Deodoro da Fonseca, em novembro de 1891, antes de transcorridos os tais dois anos, o vice-presidente Floriano Peixoto aboletou-se no poder e lá ficou. Foi golpe? Não foi golpe? Os florianistas alegavam que, tendo sido a chapa Deodoro-Floriano eleita para um “governo provisório”, o mandamento constitucional não lhe dizia respeito, e sim a governos subsequentes. Os ânimos estavam tensos. E mais ficariam nos anos seguintes, com a Revolta da Armada, a desencadear em plena Baía de Guanabara uma troca de canhonaços entre navios e fortes, e a chamada Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul. Machado de Assis, sempre ele, encontrou o jeito exato de descrever o reflexo da situação nas relações pessoais:

“Graças às culturas sucessivas, podemos hoje chamar de bandido a um adversário e, às vezes, a um velho amigo, com quem tenhamos alguma pequena desinteligência. Está assentado que bandido é um divergente. Corja de bandidos é um grupo de pessoas que entende diversamente de outra um artigo da Constituição. Quando os bandidos são também infames, é que venceram as eleições, ou legalmente ou aproximativamente”. (Crônica de 9/12/1894)

Em novembro de 1864, a “questão Kelly” agitava a imprensa carioca. Um doutor Kelly fora hostilizado em Niterói por vender bíblias protestantes. O jornal católico O Cruzeiro, lembrando que a Constituição consagrava o catolicismo como religião oficial, pediu ao governo providências contra o doutor Kelly. Mas a Constituição também garantia a liberdade religiosa, lembrou Machado, “e não há liberdade religiosa sem proselitismo”. Prosseguiu:

“No dia em que se tiver saído da tolerância para a liberdade, teremos dado o último passo neste sentido. Que os leitores me permitam a figura – a tolerância assemelha-se a uma gaiola de papagaio, aberta por todos os lados, sem aparência mesmo de gaiola, mas onde a ave fica presa por uma corrente que lhe vem do pé ao poleiro. Quebre-se a corrente, de uma vez por todas, e -se liberdade ao pobre animal!”. (Crônica de 22/11/1864)

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Em meados dos anos 1860, a invasão do México pelas tropas francesas e a entronização do governo títere do imperador Maximiliano causavam polêmica no Brasil. Machado criticou o deputado sergipano Lopes Neto, que teria elogiado a ação francesa em discurso na Câmara. O deputado foi criticado em seguida também por seus pares, e respondeu que não, deforma alguma o tinha feito. Machado foi aos autos e verificou que, sem dúvida, o sergipano tinha, sim, elogiado a invasão francesa. Prosseguiu:

“Há, porém, na ordem política, umas tais retortas e alambiques onde se apuram as palavras e as ideias, de tal modo que as tornam inteiramente diversas daquilo que significam na ordem comum”. (Crônica de 10/7/1864)

Em 1861, Machado investe contra um decreto sobre concessão de congratulações que julga “abusivo e ridículo”. Chama o ministro responsável pelo decreto, José Ildefonso de Sousa Ramos, de medíocre e vulgar. Termina por extrair do episódio um retrato do Brasil:

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“O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco. A sátira de Swift nas suas engenhosas viagens cabe-nos perfeitamente. No que respeita à política, nada temos a invejar no reino de Lilipute”. (Crônica de 29/12/1861)

Em março de 1867, com 27 anos, Machado, sempre tão reservado, permite-se a ousadia de um autorretrato. Começa por afirmar que, “se a velhice quer dizer cabelos brancos, e a mocidade quer dizer ilusões frescas, não sou moço nem velho”. Diz ser uma exceção entre os homens que passam a primeira metade da vida desejando a segunda e a segunda a ter saudade da primeira. Conclui:

“Quanto às minhas opiniões políticas, tenho duas, uma impossível, outra realizada. A impossível é a República de Platão. A realizada é o sistema representativo. É sobretudo como brasileiro que me agrada esta última opinião; e eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano, porque esse dia seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais alumiou”. (Crônica de 5/3/1867)

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