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Augusto Nunes

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Seis meses à direita

Bolsonaro está fadado a ter muitas dificuldades com o Congresso. Atender a todos os pedidos é fatal; rejeitá-los significa o isolamento

Por Fernando Gabeira
Atualizado em 30 jul 2020, 19h37 - Publicado em 28 jun 2019, 15h02

Fernando Gabeira (publicado no Estadão)

Neste primeiro período de governo, Jair Bolsonaro afirmou que a cadeira do presidente era sua kryptonita, o metal que enfraquece o super-homem nas histórias em quadrinho. Mais tarde, ele disse que estavam querendo transformá-lo na rainha da Inglaterra. Ambas as afirmações convergem para sua ansiedade sobre o poder escapando entre os dedos. E remetem às primeiras discussões após sua vitória eleitoral.

Naquele momento, a esperança era de que os contrapesos democráticos contivessem Bolsonaro. Da mesma forma que se esperava, guardadas as proporções, que isso acontecesse com Trump nos Estados Unidos.

Na verdade, Bolsonaro foi contido pelo menos sete vezes pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). É verdade que muitas de suas propostas foram lançadas para mostrar ao eleitorado que cumpria as promessas de campanha. Mas foram propostas que desprezaram as necessárias negociações. Parece que Bolsonaro não se importa em perder ou conseguir pelo menos alguma eficácia. Ele quer mostrar que suas ideias morrem no Congresso ou são rejeitadas pelo Supremo.

São coisas tão elementares que qualquer assessoria jurídica desaconselharia. Por exemplo: tentar com uma nova medida provisória passar a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. Isso havia sido negado e ele reeditou a medida, algo que não pode ser feito na mesma legislatura.

Na verdade, não o estão tornando uma rainha da Inglaterra. Uma combinação de incompetência e arrogância o conduz a sucessivas derrotas.

Ultimamente, tenho observado uma linha-mestra no comportamento político de Bolsonaro. Ele flerta com a morte, como faziam, à sua maneira, os governos de extrema direita do passado. Seus projetos caminham nesta direção: liberação das armas, flexibilização das regras do trânsito, legalização de potentes agrotóxicos que devem dizimar nossos insetos e abelhas, sem falar nas consequências disso para a saúde humana.

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Já escrevi sobre isso tudo, de forma isolada. Mas o conjunto da obra revela uma tendência mórbida, ainda que mascarada de um desejo de crescimento econômico rápido e sem barreiras.

O simples fato de usar a imagem da kryptonita o coloca dentro da mitologia do super-homem, algo que era muito comum na direita no limiar da Segunda Guerra.

Vi com certa apreensão que os próprios manifestantes pró Sergio Moro escolheram a imagem do super-homem para defini-lo, isso precisamente no momento em que sua condição humana estava em jogo com as revelações do The Intercept.

Pode ser que essas conexões sejam de alguém que assimilou mal a história do século 20 e está vendo fantasmas em cada esquina. No entanto, o desdobramento do projeto de Bolsonaro é preocupante, exceto pelo fato de que as salvaguardas estão em pleno funcionamento. Até o momento, nenhuma medida ilegal foi engolida pelo Congresso e pelo STF.

Tudo indica que Bolsonaro não se preocupa tanto com as derrotas porque mira a reeleição, continua em campanha, revelando aos seus eleitores como suas ideias são trituradas pelo aparato constitucional.

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Atropelar o Congresso e o Supremo não parece ser a saída. Soaria como um retorno a 64, algo que os militares rejeitam: estamos num mundo diferente, a guerra fria não é o quadro geral em que nos movemos.

Bolsonaro, entretanto, não é tão saudosista como parece ser em alguns momentos. Ele sabe que surgiu uma nova extrema direita no mundo, principalmente no rastro do problema migratório. Ele conhece, por exemplo, como seu colega húngaro tenta reduzir as limitações que a democracia lhe obriga.

Em certos momentos, chegou a revelar sua admiração por Hugo Chávez, embora saibamos que é uma admiração pelo método, não pelos objetivos.

Bolsonaro, penso eu, está fadado a ter muitas dificuldades com o Congresso. Atender a todos os pedidos é fatal; rejeitá-los significa o isolamento.

Seu propósito inicial de superar o toma lá dá cá, de contornar os vícios do presidencialismo de coalizão, é interessante. Todos os candidatos que se pretendem inovadores batem nessa tecla. No meu entender, é uma visão limitada de quem também sonhava em acabar com isso, mas há um caminho estreito cujo êxito não é assegurado. Este caminho está apoiado em duas variáveis: um projeto de governo claro e conhecimento das regiões do Brasil e de suas bancadas.

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Ao tornar o Congresso um parceiro na realização do programa, é possível reduzir o medo do parlamentar de perder a eleição.

Conhecer o Brasil não é difícil para um militar, apesar de Bolsonaro ter deixado a farda e o rodízio pelo País há muito tempo. O mais importante é conhecer os problemas regionais, sobretudo aqueles dos quais os parlamentares não podem fugir.

É muito difícil para os candidatos que se dizem inovadores obter a cooperação do Parlamento apenas com ideias novas e a esperança de apoio popular. É preciso mais. Era evidente que a reforma da Previdência seria alterada nos pontos em que o foi.

Era evidente que o decreto das armas demandava negociação. Se eleitores de Bolsonaro apoiavam a tese, parte da opinião pública era contrária.

Apesar da qualidade da nossa imprensa, ainda não houve um estudo em profundidade sobre a bancada do PSL, a base parlamentar de Bolsonaro. Dizer que são inexperientes é pouco. Todo mundo o é ao começar. Tenho dúvida se são vocacionados. Se não forem, não vão aprender nunca.

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Ao longo destes meses, vi desfilar a mitologia da direita, o flerte com a morte, a ilusão do super-homem. Ainda agora, sempre os vejo juntos movendo os dedos como se apontassem uma arma. Para onde, José?

Uma frente pela democracia é sempre falada em momentos históricos complicados como este. Mas cada vez mais me convenço de que o objetivo é mais amplo: a extrema direita nos coloca diante da necessidade de uma frente pela vida, em toda a sua diversidade.

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