Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Imagem Blog

Augusto Nunes

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

Um descaso à beira de um paraíso

TEXTO PUBLICADO NA REVISTA DO JORNAL O GLOBO DESTE DOMINGO Mariana Filgueiras Em 1995, durante o tratamento contra um câncer no pulmão (que chamava de “bolinha”), o antropólogo Darcy Ribeiro fugiu do Hospital Samaritano, no Rio, deixando os médicos loucos. Decidiu passar os últimos dias na bucólica praia de Cordeirinho, em Maricá, onde tinha uma […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 5 jun 2024, 18h01 - Publicado em 15 fev 2011, 21h25

TEXTO PUBLICADO NA REVISTA DO JORNAL O GLOBO DESTE DOMINGO

post-darcy

Mariana Filgueiras

Em 1995, durante o tratamento contra um câncer no pulmão (que chamava de “bolinha”), o antropólogo Darcy Ribeiro fugiu do Hospital Samaritano, no Rio, deixando os médicos loucos. Decidiu passar os últimos dias na bucólica praia de Cordeirinho, em Maricá, onde tinha uma paixão: a casa em formato de oca projetada pelo amigo Oscar Niemeyer. Lá ainda viveria por mais dois anos e escreveria, deitado numa rede, o livro “O povo brasileiro”. Hoje, 14 anos depois de sua morte, a casa virou uma indigesta metáfora desta mesma nação: um descaso à beira de um paraíso. A relíquia arquitetônica deveria ter sido transformada no Centro Cultural Darcy Ribeiro pela Prefeitura de Maricá, em 2009, mas está completamente abandonada e destruída.

Paredes estão carcomidas pela maresia, portas e armários foram saqueados por invasores. O teto da garagem ameaça cair e foi escorado por um vizinho. O que sobrou do telhado veio abaixo numa tempestade em 26 de outubro — dia em que Darcy faria aniversário. As vigas e fundações estão à mostra, tornando o cenário desolador e perigoso. A piscina e as bromélias do jardim viraram focos de dengue. Sem trincos ou janelas, ali entra quem quer.

— Vem muito turista perguntar se é aqui mesmo a casa do Darcy Ribeiro, e fico até com vergonha de confirmar — ressalta uma vizinha, que não quis se identificar. — Acho uma tristeza, olho e ainda o vejo lendo, na rede. Ele ficaria arrasado se visse a casa assim.

A casa foi deixada por Darcy Ribeiro em testamento para uma cunhada, Jacy Ribeiro, que cedeu o imóvel à Prefeitura de Maricá em regime de comodato por quatro anos, para se tornar um espaço com exposições, saraus e biblioteca. No evento para celebrar a parceria, o prefeito Washington Quaquá comemorou:

Continua após a publicidade

— Nosso objetivo é dar seguimento ao pensamento de Darcy. A casa é parte do resgate das suas ideias. Temos um compromisso intelectual e político com o passado. Não podemos deixar o passado morrer. Transformaremos o imóvel, que foi projetado pelo Oscar Niemeyer, no Centro Cultural Casa Darcy Ribeiro.

Quem não deixa “o passado morrer”, no entanto, são os amigos de Darcy. São muitas histórias que cercam a pequena oca em formato de “C”, assim desenhada por Niemeyer para que o vento entrasse por um lado e saísse pelo outro. Foi ali que, dizem, o ex-vice-governador, ex-secretário de Cultura, senador, imortal, romancista, professor e namorador Darcy Ribeiro iniciou um tórrido e secreto romance com a socialite Narcisa Tamborindeguy.

— Acho que ninguém sabe disso, é um furo — diverte-se o escritor e editor José Mario Pereira, amigo de Darcy, que o ajudou a levar uma biblioteca de mais de 1.500 livros para a casa de praia. — Narcisa se apaixonou, e os dois passaram bons tempos em Maricá.

Narcisa nega:

Continua após a publicidade

— Imagina, ele era só um amigo da minha família. Era um galanteador, uma loucura. Fui lá duas vezes em almoços. Lembro que a casa era linda e que ele a adorava. É uma pena saber que foi tudo abandonado.

Zé Mário conta ainda que Darcy era capaz de ficar horas na rede do quintal, em frente à praia, rabiscando numa prancheta ideias para livros e ensaios. No mar, nadava pouco, e certa vez quase se afogou.

Darcy conheceu Maricá por intermédio de Tatiana Memória, amiga que já morava lá. Encantado pela praia selvagem a 50 quilômetros do Rio, convenceu o escritor Antonio Callado e o ator Carlos Kroeber a construírem casas por lá também — juntos, os amigos faziam saraus até altas horas. O próprio Niemeyer quase comprou um terreno em Cordeirinho.

— Certa vez, ele tinha brigado com Brizola quando era seu vice-governador, por questões ligadas aos Cieps (Darcy foi o criador do projeto), e foi para Maricá. Brizola baixou lá de helicóptero para fazer as pazes — lembra Zé Mario.

Continua após a publicidade

Biógrafo de Paulo Leminski e Torquato Neto, o jornalista Toninho Vaz passou muitos fins de semana na casa do amigo. Darcy entregava as chaves e fazia uma advertência:

— Deixei separados na adega os vinhos que você pode beber. Os outros são sagrados.

Certa vez, ele apareceu num domingo com a cineasta Tizuka Yamazaki para provar uma moqueca preparada por Toninho. O almoço virou uma festa.

— Derrubamos outras garrafas de vinho e fizemos um recital de poesia — lembra ele, que passou pela casa há poucos meses e quase não acreditou no que viu. — É inacreditável e revoltante tamanho descaso.

Continua após a publicidade

Sobrinho de Darcy e presidente da Fundação Darcy Ribeiro, Paulo Ribeiro diz que há um ano a prefeitura mudou o projeto original e informou que a casa se tornaria a Casa do Professor, um espaço dedicado a cursos de capacitação profissional.

— Minha surpresa é que meses depois recebi um comunicado com a desapropriação da casa, e o imóvel continua nesse estado lastimável — lamenta Paulo.

O secretário de Educação de Maricá, Marcos Ribeiro, defende-se projetando o futuro:

— A gente vai começar a restauração agora. Ainda neste semestre a Casa do Professor estará em funcionamento. Se não foi feito nada até agora, é porque não pôde ser feito.

Continua após a publicidade

Mas o prefeito Quaquá desdiz o próprio secretário:

— Não adianta tapar o sol com a peneira. Nós realmente podíamos ter feito obras nesses dois anos, mas não fizemos. O importante é que serão feitas agora.

É sentar na rede e esperar.

Publicidade

Imagem do bloco

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.