Aprendizagem na educação básica está abaixo dos níveis pré-pandemia
O Brasil ainda não conseguiu recuperar os níveis de aprendizagem registrados em 2019 e as desigualdades educacionais se acentuaram

No que diz respeito à educação pública, ainda não nos recuperamos da pandemia. Apesar dos avanços relevantes das duas últimas décadas, especialmente nos anos iniciais, as políticas de recomposição de aprendizagem não deram conta de voltarmos aos patamares de 2019, que já eram bastante desafiadores. “Temos muitos brasileiros com níveis muito críticos, abaixo do básico, nas três etapas avaliadas”, lamenta Gabriel Barreto Corrêa, diretor de políticas públicas da ONG Todos pela Educação, em entrevista à coluna.
Em 2023, 15,9% dos estudantes do 5º ano do ensino fundamental estavam com aprendizagem considerada abaixo do básico em Língua Portuguesa e 22,1% em Matemática, segundo estudo do Todos pela Educação, publicado em abril.
São alunos que, segundo o especialista, estão completando o quinto ano do ensino fundamental sem saber as quatro operações básicas de Matemática e sem saber ler ou interpretar um texto muito simples. “Como esse estudante vai passar para os anos finais e se aprofundar num tema de História, de Ciências ou Geografia sem saber interpretar um texto ou fazer uma operação básica de Matemática?”, questiona.
No ensino médio, etapa em que os desafios são historicamente mais profundos, o cenário é ainda mais preocupante, com um terço dos estudantes apresentando desempenho abaixo do básico em Língua Portuguesa e 59% em Matemática. Embora tenha havido uma melhora significativa entre 2017 e 2019, o relatório destaca que esses dados mais recentes mostram uma reversão desse avanço, com os resultados voltando a níveis piores que em 2019, especialmente em Matemática, onde os índices de aprendizagem insuficiente permanecem inaceitavelmente elevados.
DESIGUALDADES EDUCACIONAIS
Outro destaque importante do estudo tem a ver com as desigualdades educacionais entre estudantes brancos/amarelos e pretos/pardos e indígenas. “Além de muito altas, elas não vêm caindo ao longo do tempo, o que chama muito a atenção”, observa Gabriel Corrêa.
No 5º ano do ensino fundamental, a diferença entre alunos brancos e amarelos e pretos, pardos e indígenas com aprendizagem adequada em Língua Portuguesa subiu de 7,9 pontos percentuais, em 2013, para 8,2 pontos percentuais em 2023. Em Matemática, passou de 8,6 para 9,5 pontos percentuais no mesmo período.
No 9º ano do ensino fundamental, essa diferença entre grupos também aumentou durante a última década. Em Língua Portuguesa, passou de 9,6 pontos percentuais em 2013 para 14,1 pontos percentuais em 2023. Em Matemática, saltou de 6,2 pontos percentuais para 8,6 pontos percentuais no mesmo período.
No ensino médio, a diferença em Língua Portuguesa subiu de 11,1 para 14 pontos percentuais entre 2013 e 2023. Em Matemática, a desigualdade permaneceu praticamente estável: 4,4, pontos percentuais, em 2013, e 3,9 pontos percentuais, em 2023.
Os dados mostram a urgência de pararmos de olhar para a média dos indicadores para dar foco nos estudantes que estão em níveis mais críticos de aprendizagem, em geral, alunos mais pobres e negros. “O Brasil está chegando num ponto, especialmente nos anos iniciais, que precisa entender que a partir de agora só se avança olhando para esses estudantes. É fundamental que a gestão pública olhe de fato para esses alunos que estão ficando para trás”, alerta.
O novo Plano Nacional de Educação (PNE), cuja proposta foi apresentada pelo governo ao Congresso em junho de 2024, traz, segundo ele, esse olhar de forma inédita. “O plano que está em vigor traz como meta o avanço na média dos indicadores. Já o novo PNE, que está em tramitação no Congresso Nacional, traz metas específicas de redução de desigualdades”, compara.
Se isso for mantido no Congresso Nacional – e é importante que se mantenha – haverá metas quantitativas específicas para redução das desigualdades, avançando no percentual de aprendizagem adequada de estudantes pretos, pardos e indígenas. A mudança significará um reforço importante em políticas para diferentes modalidades, como educação escolar indígenas e quilombola.
“Será um importante direcionador para que as ações dos governos municipais, estaduais e federal se voltem para a mesma direção, que estejamos todos remando para reduzir essas enormes desigualdades”, enfatiza Gabriel Corrêa. “Precisamos de políticas intencionalmente voltadas para isso, que identifiquem quem são esses estudantes que estão ficando para trás e tenham ações específicas para eles”, completa.
RECOMPOSIÇÃO DA APRENDIZAGEM
Além da aprovação do novo PNE, as políticas de recomposição de aprendizagem são outra necessidade urgente para melhorarmos a educação pública no Brasil. “Essas políticas continuam necessárias porque os estudantes que estão hoje na escola pública, que viveram o período da pandemia, ainda não conseguiram recuperar o que foi perdido e estão com enormes déficits de aprendizagem”, defende o especialista. Segundo ele, poucas redes conseguiram fazer isso ainda de forma bem estruturada.
Apesar de não existirem levantamentos específicos sobre essas políticas, Corrêa cita alguns exemplos de sucesso, como Joinville, que tem os melhores resultados dentre todos os municípios com mais de 500 mil habitantes, além de Vitória e Goiânia, duas capitais que conseguiram evoluir no nível de aprendizagem de 2019 para 2023. “Quando você olha para esses resultados, vê que são redes de ensino que fizeram recomposição de aprendizagem. Conseguiram se estruturar e apoiar os seus professores e diretores para fazer ações de mitigação desses efeitos da pandemia”, diz ele.
Entre os avanços recentes na educação, Corrêa cita o aumento do percentual de matrículas em tempo integral. A prioridade que vários níveis de governo têm dado para essa pauta traz, segundo ele, otimismo.
“Ainda assim, estamos muito aquém do que a gente precisa”, destaca. Hoje, 20% dos estudantes brasileiros, em média, estão em escolas de 7 ou mais horas no país. “Esse número precisa triplicar nos próximos dez anos”, calcula. Segundo ele, escolas parciais, como as que existem no país, são “aberrações”, quando se compara com países com sistemas educacionais mais desenvolvidos.
Em tempos de ajuste fiscal, cortes na verba de educação são volta e meia sugeridos. “Antes de começar a olhar para a educação, o Brasil tem muitas outras possibilidades de ajuste fiscal”, diz Corrêa, que fez graduação e mestrado em Economia. “Precisamos proteger os recursos da educação, ampliá-los ao longo do tempo e melhorar a gestão educacional”, defende.
Nunca antes nesse país vimos mudanças tecnológicas acontecerem de forma tão rápida. Analistas de mercado apontam que a inteligência artificial vem tirando vagas de ingresso dos jovens no mercado de trabalho. “Essas habilidades muito básicas são as primeiras a serem supridas por inteligência artificial. As escolas brasileiras mal conseguem oferecer as habilidades essenciais para todo mundo. Se o Brasil não se der conta disso, vamos continuar numa segunda liga das nações em relação à educação”, analisa.
Os dados mostram que ainda há muito por fazer. Educação precisa ser de fato prioridade no país para que o Brasil possa de fato avançar sem deixar ninguém para trás.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram.