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Balanço Social

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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil

Insegurança pública: em 4 capitais, mais de 6 mil tiroteios

Apenas nas regiões metropolitanas de Salvador, Recife, Rio de Janeiro e Belém, houve 6.769 tiroteios em 2024, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado

Por Andréia Peres Atualizado em 19 fev 2025, 10h54 - Publicado em 18 fev 2025, 09h00

“Tô tentando sair de casa, mas está tendo muito tiro. Se não der para ir hoje, posso ir na segunda?”. A mensagem, enviada por WhatsApp a um amigo meu pela sua faxineira, que mora no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, é um dos muitos exemplos do impacto da violência armada no dia a dia de quem vive em áreas deflagradas das grandes cidades.

“Além da brutalidade das balas perdidas, quando tem um tiroteio, linhas de ônibus são interrompidas, escolas são afetadas, pessoas não conseguem acessar os postos de saúde. Há ainda inúmeros danos psicológicos e emocionais, que são muito difíceis de mensurar”, diz Iris Rosa, pesquisadora do Instituto Fogo Cruzado, em entrevista à coluna.

De acordo com o estudo Primeira infância nas favelas da Maré: acesso a direitos e práticas de cuidado, em dez anos, uma criança da comunidade perderá, em média, um ano e meio de aula, em virtude de operações policiais. Cerca de 65% da população enfrenta algum tipo de dificuldade no acesso ao direito à saúde e a equipamentos públicos.

“Da forma que vêm sendo feitas, as operações policiais, na verdade, significam a paralisação do acesso a uma série de direitos”, diz Lidiane Malanquini, coordenadora da área de incidência política da ONG Redes da Maré e uma das responsáveis pelo estudo, em entrevista à coluna.

No dia que fizemos a entrevista, 9 de dezembro de 2024, houve uma operação policial que afetou, segundo ela, 15 mil estudantes; 15 mil crianças e adolescentes não tiveram acesso à escola e a uma série de outros direitos, como a convivência comunitária e a segurança alimentar.

“Muitas crianças, por exemplo, garantem suas refeições a partir da escola”, lembra Lidiane. Além do fechamento das escolas, quatro das seis unidades de saúde não abriram naquele dia. “Das 5 às 7h da manhã, tivemos registros de confrontos muito intensos. Então as pessoas não conseguiram trabalhar, ir para universidade ou circular no território. Ficaram dentro de suas casas sem poder sair. Há um processo de adoecimento tanto físico quanto da saúde mental das pessoas que acordam com helicóptero sobrevoando suas cabeças”, conta.

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Em 2024, apenas nas regiões metropolitanas de Salvador, Recife, Rio de Janeiro e Belém monitoradas pelo Instituto Fogo Cruzado, houve 6.769 tiroteios, uma média de 18 por dia. O que é ainda mais assustador é que 29% desses episódios aconteceram durante ações e operações policiais.

Segundo Iris Rosa, do Fogo Cruzado, são cinco pessoas baleadas por dia em ações policiais, como a que feriu a jovem Juliana Rangel, atingida por um tiro de fuzil na cabeça durante uma operação da Polícia Rodoviária Federal, na véspera do Natal na Baixada Fluminense.

GRANDE PARTE DOS TIROTEIROS ACONTECE PERTO DE ESCOLAS 

De acordo com levantamento do Ministério Público do Rio, com base em estudos da plataforma Fogo Cruzadometade dos tiroteios na cidade acontece perto de escolas. A Vila Kennedy e o Complexo da Maré são as áreas que registraram mais confrontos perto de unidades de ensino.

No Grande Rio, só em 2024 foram 573 disparos de tiro no entorno de escolas. Ao todo, houve ocorrência de disparos em 189 dos 200 dias letivos. Na região metropolitana de Salvador, o total foi de 358 disparos no entorno de escolas, com 180 dos 200 dias letivos afetados, de acordo com dados do Instituto Fogo Cruzado.

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“As pessoas passam a vida inteira com o seu cotidiano sendo afetado por operações policiais e isso é determinante para entender quais são as possibilidades que elas vão ter ao longo da vida”, diz Iris Rosa. “O Estado, que deveria assegurar direitos, impacta a vida das pessoas de forma muito cruel. Nos últimos dez anos, mais de 50 mil pessoas morreram em decorrência de ações policiais”, lamenta. Nessa conta estão trabalhadores, adolescentes, jovens, idosos, donas de casa, crianças baleadas dentro de casa, a caminho da escola ou na própria escola.

“O modelo que a gente segue há pelo menos 30 anos não está trazendo mais segurança para a população”, critica Iris Rosa. Há, segundo ela, outras formas de policiamento e de segurança pública que não atuam pela lógica do confronto. “Não é sobre acabar com operações policiais ou com a polícia. Quando as operações são bem planejadas, elas podem ser bem-sucedidas e os protocolos servem para isso. São um passo a passo de como você consegue cumprir o seu dever constitucional de promover segurança, que é um direito de todos, de forma eficiente”, explica.

MUDANÇAS À VISTA NA SEGURANÇA PÚBLICA

Publicado em dezembro do ano passado, o Decreto nº 12.341/2024 estabelece diretrizes nacionais para o uso da força policial. Uma medida necessária e urgente, embora tímida, segundo a pesquisadora, especialmente quando olhamos esses números.

Entre os pontos trazidos pelo decreto, estão coisas básicas sobre protocolos de escalada da força, como não usar armas letais para contenção ou não atirar em pessoas desarmadas.

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Segundo o Decreto, o nível da força utilizada deve ser compatível com a gravidade da ameaça e os objetivos da ação do profissional de segurança pública e o recurso de força somente poderá ser empregado quando outros recursos de menor intensidade “não forem suficientes para atingir os objetivos legais pretendidos”. Parece tudo muito óbvio, mas a realidade tem mostrado que, infelizmente, não é bem assim.

Para Iris Rosa, o decreto, apesar de importante, não é a solução final. “É um primeiro esforço que deve ser aprimorado com outros documentos”, diz ela. Faltam, por exemplo, critérios detalhados para basear a tomada de decisão do agente.

O decreto também fala da constituição de um Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força, com o objetivo de monitorar e avaliar as medidas, que ainda não foi instituído. Além de garantir a participação da sociedade civil nesse comitê, é importante, segundo a pesquisadora, que sejam disponibilizados dados e informações mais detalhadas sobre o uso da força pela polícia. “Não temos o número de disparos de armas de fogo nas ações policiais, por exemplo. Só o Fogo Cruzado faz esse levantamento hoje e apenas nas cidades em que atua”, lamenta.

Segundo ela, é preciso padronizar os indicadores de segurança dos estados, como já acontece com saúde e educação, e disponibilizar informações como os tipos de ocorrência em que a letalidade é maior ou qual a instituição que mais mata. “Só temos o número de mortos e isso não é suficiente”, afirma.

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Apesar da gritaria de alguns governadores, Iris Rosa destaca como positivo o fato de o decreto condicionar os repasses federais na área de segurança à adequação aos padrões internacionais de uso da força. “É prerrogativa. Como você vai conseguir continuar financiando uma política que está se mostrando insuficiente para promover mais segurança para a população?”, diz.

A pesquisadora critica, no entanto, a não inclusão das armas de fogo na lista do imposto seletivo, o “imposto do pecado”. “Como o imposto de um carro ou de uma cerveja é maior do que o de uma arma de fogo, que não serve para outra coisa a não ser ferir e matar?”, questiona.

Para ela, é como se, com essa medida, o governo dissesse: “carro é artigo para poucos, arma não”. De acordo com Iris Rosa, há vários estudos que comprovam que quanto mais armas em circulação, maior o número de homicídios. Cerca de 70% dos homicídios no Brasil são cometidos por disparos de arma de fogo. Sem controle de armas e munições, a redução dos homicídios não passa de um sonho distante.

Na avaliação de Iris Rosa, do Fogo Cruzado, o governo federal tem avançado a passos curtos na área de segurança pública e o Congresso Nacional tem agora um papel fundamental para que as medidas tomadas pelo governo de fato sejam implementadas e garantidas na Constituição Federal, por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública. Por enquanto, a única certeza é que do jeito que está, não dá para continuar.

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* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos

 

 

 

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