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Balanço Social

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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil

Miniblogueiros e influencers: o trabalho infantil agora também é digital

Crianças e adolescentes que atuam como influenciadores, empreendedores mirins ou mesmo gamers chamam a atenção para a exploração nas redes

Por Andréia Peres 15 jul 2025, 11h11

No início dos anos 2000, editei para a Andi, Unicef e OIT um livro sobre trabalho infantil, o Crianças Invisíveis (Cortez Editora, 2003). De lá para cá, produzi mais dois livros e diversos artigos sobre o tema que sempre me chamou a atenção e que, hoje, precisa ser combatido com urgência também nos meios digitais.

Atualmente, há 1,6 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil no Brasil (4,9% da população dessa faixa etária), segundo os dados do IBGE mais recentes.

Um número que, de acordo com Katerina Volcov, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), revela apenas a ponta de um enorme iceberg.  “O número de subnotificações é alto assim como a falta de dados”, diz ela, em entrevista à coluna.

Volcov lembra ainda que esses dados são de uma pesquisa por amostragem, a Pnad, e que os dados do Censo 2022 sobre esse tema ainda não saíram. “Não sabemos quando virão e se virão”, lamenta.

Os números não contemplam as informações de algumas da piores formas de trabalho infantil, como exploração sexual, tráfico de drogas, trabalho infantil doméstico e nas ruas. Também não levam em conta o trabalho executado por crianças menores de 5 anos de idade e a exploração de meninas e meninos nos meios digitais, como “empreendedores”, influenciadores ou mesmo gamers.

“Temos uma sociedade que observa isso com glamour”, diz ela, alertando para os riscos. “A produção de vídeos, as transmissões ao vivo, os desafios online… Tudo isso faz parte do trabalho infantil digital”, explica.

Segundo Volcov, a criação de um conteúdo vira trabalho infantil quando tem frequência, pressão, como a exigência de uma quantidade determinada de likes, carga excessiva, e relação de poder. Nesses casos, tanto as plataformas quanto os pais deveriam ser, sim, responsabilizados.

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Para Katerina Volcov, é urgente uma regulamentação das redes, diferenciando cada uma das categorias dos trabalhadores infantis digitais: gamers, influenciadores mirins, empreendedores digitais... “Não é uma categoria uníssona”, destaca, chamando a atenção para importância de estabelecer regras e limites e promover discussões, inclusive, sobre o impacto da exposição da identidade e da vida desses meninos e meninas, em casos como o dos influencers e gamers, por exemplo.

 “Tendo a achar que o trabalho infantil digital está se tornando uma das piores faces do trabalho infantil nesse novo século e daqui para frente tende a ficar ainda mais exacerbado”, diz ela.

DESAFIOS

 Além da dificuldade de mensurar essa realidade com toda a sua complexidade, os mitos em relação ao trabalho infantil, em geral, permanecem e também atrapalham o seu enfrentamento. “A nossa sociedade vê o trabalho como algo dignificante, que valoriza o ser humano”, diz Katerina Volcov.

Na prática, segundo ela, os problemas vão se sobrepondo e agravando ainda mais o cenário. Em alguns estados há um número reduzido de auditores fiscais do trabalho e tem havido também um desfinanciamento das Ações Estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infanti (Aepetis).

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Sem dados atualizados do Censo, não há como saber quais são os municípios com maior número de crianças e adolescentes em trabalho infantil para que possa ser feito o cofinanciamento das ações.  Uma coisa depende da outra.

Dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) dão conta de que os recursos gastos com a área de erradicação do trabalho infantil diminuíram 94% entre 2019 e 2022.  Ao longo dos últimos anos também houve uma desarticulação das redes de proteção e garantia de direitos.

“O ECA completou 35 anos e nunca foi implementado na sua íntegra. A doutrina da proteção integral nunca aconteceu de fato”, lamenta Volcov. Segundo a especialista, além de efetivar o Estatuto e colocar a criança e o adolescente de fato no centro do orçamento, falta também assegurar a intersetorialidade das ações nos níveis federal, estadual e municipal. “O trabalho infantil acontece dentro de um território, mas as pastas e as políticas precisam conversar efetivamente”, afirma. “Quando a gente vai para os territórios ouvir os fóruns estudais, eles falam muito da ausência da área da educação e da saúde, por exemplo, e da alta rotatividade dos técnicos de assistência social, que são os que vão fazer o encaminhamento das crianças vítimas de trabalho infantil.”

Para a especialista, há também um vácuo das políticas públicas nessa área para crianças e adolescentes de 7 a 14 anos. “O Bolsa Família dá um benefício adicional de 150 reais até os 6 anos de idade. Fez 7 anos esse valor cai para 50 reais”, critica.

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AGENDA 2030

Uma das metas da Agenda 2030 das Nações Unidas é erradicar o trabalho infantil em suas piores formas até o final deste ano. Mais de 90 atividades estão identificadas na chamada Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). No Brasil, os dados oficiais dão conta que mais de 580 mil meninos e meninas estão nesta situação.

A campanha do FNPETI deste ano chama a atenção para a urgência de transformar compromisso em ação e acabar com o trabalho infantil. Toda criança que trabalha perde a infância e o futuro, diz o mote da campanha, ilustrada com uma ampulheta. “O tempo da infância é hoje”, diz Katerina Volcov. Ainda que estejam sendo feitos esforços nesse sentido, os dados mostram que eles de fato não têm sido suficientes.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram.

 

 

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