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Obesidade e consumo de ultraprocessados avançam entre os mais pobres

Impulsionada pelo aumento do consumo de ultraprocessados, obesidade já atinge um em cada quatro brasileiros

Por Andréia Peres Atualizado em 3 set 2024, 09h07 - Publicado em 3 set 2024, 09h00
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  • Ando assustada com o alto consumo de refrigerantes, bebidas açucaradas, salgadinhos e ultraprocessados em geral que tenho observado em todos os cantos do Brasil. Minha irmã, que é dentista, diz que já perdeu a conta do número de pais que colocam achocolatados nas mamadeiras de seus filhos.

    Nos últimos dez anos, o consumo de alimentos ultraprocessados pelos brasileiros teve um aumento médio de 5,5%, segundo estudo do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP). Um crescimento significativo, que é visível em cada esquina e que, de acordo com os pesquisadores, já está provocando estragos na saúde pública.

    Normalmente ricos em aditivos químicos, sal, açúcar e gorduras saturadas, os ultraprocessados têm baixo valor nutritivo e estão ligados a aproximadamente 57 mil mortes prematuras por ano, o equivalente a 10,5% de todas as mortes prematuras em adultos de 30 a 69 anos, segundo o estudo Mortes prematuras atribuídas ao consumo de ultraprocessados no Brasil.

    “Os dados são de fato bastante preocupantes”, reconhece Lilian dos Santos Rahal, secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, em entrevista exclusiva à coluna. “Além do consumo ter crescido, ele aumentou numa velocidade muito maior junto às populações mais pobres”, alerta, citando pesquisa que mostra que esse aumento foi significativamente maior entre pessoas pretas, indígenas, na área rural, com até quatro anos de estudo, no menor quintil de renda e nas regiões Norte e Nordeste (de 2 a 6 pontos percentuais ante 1,02 ponto percentual, na população em geral).

    Crianças na primeira infância, entre zero e seis anos, de famílias beneficiadas pelo programa Bolsa Família também estão sendo impactadas pelo alto consumo de alimentos ultraprocessados, segundo publicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), de dezembro de 2021, que editei.

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    O estudo Alimentação na primeira infância analisou os hábitos alimentares de famílias com crianças menores de 6 anos apoiadas pelo programa. Cerca de 80% das famílias relataram o consumo de alimentos ultraprocessados pelos pequenos no dia anterior à entrevista. Os alimentos mais consumidos foram biscoitos salgados ou recheados e bebidas açucaradas, como achocolatados.

    SOBREPESO E OBESIDADE

    A relação entre esses produtos e as doenças crônicas é direta. Uma revisão recente das análises existentes sobre os impactos dos ultraprocessados na saúde associou seu maior consumo com 32 efeitos nocivos à saúde, como o aumento de risco de doenças respiratórias, cardiovasculares, gastrointestinais, metabólicas e câncer.

    Mais de ¼ (28,6%) do aumento da prevalência de obesidade no país é atribuída ao consumo de ultraprocessados, de acordo com estudo publicado em 2022. No Brasil, um a cada quatro adultos são obesos (24,3%), apontam dados da pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2023, monitoramento anual mais recente do Ministério da Saúde. A frequência de adultos com excesso de peso é alarmante: 61,4%.

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    “Os levantamentos do Vigitel mostram uma tendência de ampliação do excesso de peso e obesidade e, com isso, vamos ampliando também a incidência de doenças crônicas, como hipertensão e diabetes”, alerta Lilian Rahal.

    O ENFRENTAMENTO

    A má-nutrição em todas as suas formas, incluindo a desnutrição e a obesidade, é a principal causa de problemas de saúde em todo o mundo. No Brasil, o cenário desenhado pelas pesquisas e pela secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional é grave e vem sendo combatido com diferentes ações, que incluem desde uma estratégia intersetorial de enfrentamento à obesidade até fomento à alimentação saudável nas escolas, uma nova cesta básica e a defesa de uma reforma tributária batizada de 3S: saudável, solidária e sustentável.

    Em dezembro de 2023, foi publicado o Decreto nº 11.821 com uma série de recomendações e de ações para os diferentes atores públicos para a promoção de ambientes escolares saudáveis e livres de ultraprocessados. O próximo passo, segundo a secretária, é apoiar estados e municípios para avançarem em legislações locais nesse sentido.

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    Outro avanço, sem dúvida, é a nova cesta básica (Decreto nº 11.936). Composta por alimentos in natura e minimamente processados, a nova cesta considera alimentos da diversidade regional brasileira, produzidos localmente. Com exceção da margarina, os ultraprocessados ficaram de fora.

    Além da nova cesta básica, que tem isenção de impostos, alguns alimentos terão 60% de redução tributária, com a reforma. Nesse grupo, infelizmente, entraram produtos ultraprocessados, como compostos lácteos (similares do leite em pó, misturas de creme de leite, entre outros) e macarrão instantâneo. “Gostaríamos que eles saíssem, mas não sabemos se de fato isso vai acontecer. Não tem cabimento bebida láctea e macarrão instantâneo ficarem com alíquota reduzida”, lamenta Lilian Rahal.

    Por enquanto, apenas bebidas açucaradas estão na lista dos produtos que devem ser sobretaxados com o novo Imposto Seletivo (IS). Os ultraprocessados em geral ficaram de fora. “As discussões que tivemos no Congresso, nas audiências da reforma tributária, foram muito duras”, afirma a secretária. “Apesar de todas as evidências, a indústria diz que não há nenhuma comprovação científica de que os ultraprocessados fazem mal, que todo mundo tem um pão de forma e um requeijão na geladeira”, relata.

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    Segundo Lilian, mesmo com o crescimento dos ultraprocessados, os hábitos alimentares da maior parte da população brasileira, felizmente, ainda são baseados em alimentos básicos, como arroz, feijão, farinha e legumes. “Temos sorte”, diz ela, que vê esse momento como uma “janela de oportunidades”.

    Neste ano, a edição mais recente do Guia alimentar para a população brasileira completa 10 anos. O documento do Ministério da Saúde, elaborado em parceria com o Nupens e o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/Brasil), reúne evidências e orientações para estruturar programas e políticas públicas de nutrição e saúde que promovam a alimentação saudável. Inovador, o guia brasileiro influenciou documentos semelhantes de outros países, como Canadá, Israel, Uruguai, Equador e Peru. Em tempos de eleições municipais, tramitação da reforma tributária e crescimento da obesidade no país, deveria ser leitura obrigatória.

    * Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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