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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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Plano Nacional de Educação completa 10 anos com poucos avanços

Apenas quatro das 20 metas estabelecidas foram ao menos parcialmente cumpridas pelo país

Por Andréia Peres 16 jul 2024, 09h00

O Plano Nacional de Educação (PNE) completou 10 anos em 25 de junho sem grandes motivos para comemorar e com uma sobrevida maior. A Câmara dos Deputados aprovou no início de julho o Projeto de Lei nº 5665/23, que prorroga o atual plano até 31 de dezembro de 2025. Ganhamos, portanto, um pouco mais de tempo para tentar mudar o jogo.

Por enquanto, o placar não é dos mais favoráveis. Apenas quatro das 20 metas estabelecidas para serem alcançadas até o final de 2024 foram ao menos parcialmente cumpridas pelo país.

Por que avançamos tão pouco nesses 10 anos? Eis a questão que me motivou a escrever sobre esse assunto, uma das áreas que mais tenho me debruçado nos últimos anos.

Em entrevista à coluna, Gabriel Barreto Corrêa, diretor de políticas públicas da ONG Todos pela Educação, atribui o resultado a uma conjunção de fatores. “As metas colocadas em 2014 se mostraram muito ambiciosas”, diz ele, citando como exemplo a meta de financiamento de 10% do PIB. “O Brasil ainda está muito longe disso [hoje, o investimento é de 5% do PIB] e não tem recursos atuais para chegar nessa meta”, afirma.

FALTA PRIORIDADE À EDUCAÇÃO E SUSTENTABILIDADE DAS POLÍTICAS

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Outro ponto importante levantado por ele é a falta de prioridade dada para a educação e de sustentabilidade das políticas públicas. “Temos uma prioridade no discurso, metas ambiciosas, mas quando isso vai se traduzir em política pública, muitas vezes, a educação fica em segundo plano”, lamenta.

Segundo Gabriel, para que consigamos atingir as metas, é fundamental a continuidade das políticas. “Parece que o Brasil está sempre tentando reinventar a roda, reconstruir os planos, rever as políticas e aí a gente não consegue entrar numa trajetória de médio prazo e de avanços dos resultados”, observa.

De acordo com o especialista, a continuidade deve acontecer mesmo quando grupos políticos diferentes estão se revezando no poder. “Não é porque um grupo político assume uma cadeira na prefeitura, no governo do Estado ou mesmo na Presidência que precisa desfazer tudo que foi feito na gestão anterior. Isso é uma irresponsabilidade com as crianças e com os jovens brasileiros”, critica.

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O diretor de políticas públicas do Todos pela Educação lamenta ainda que, mesmo quando há continuidade de um grupo político no poder, ainda assim há muita descontinuidade da política pública de educação. “Uma nova secretária ou novo secretário assume, desfaz tudo o que o anterior fez para tentar deixar sua marca, com muito pouca preocupação com a aprendizagem das crianças e com o acesso e permanência delas na escola”, aponta. “Se a gente não tiver continuidade das políticas públicas, o Brasil não vai conseguir avançar e teremos mais 10 anos patinando e não cumprindo as metas que serão postas no novo PNE”, conclui.

O NOVO PNE

O texto do novo PNE entregue pelo governo ao Congresso Nacional é considerado pelo Todos pela Educação um “ponto de partida importante” para começarmos a discussão do que queremos alcançar nos próximos 10 anos. Entre as novidades que vêm sendo celebradas estão as metas explícitas de redução de desigualdade e de qualidade da educação infantil. Dois pontos relevantes para fazer a educação como um todo avançar.

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Hoje, a educação infantil não tem indicadores nacionais de qualidade. “Ficamos só falando em acesso. O Brasil precisa virar a chavinha e falar também de qualidade do atendimento em creches e pré-escolas. Não precisamos reinventar a roda. Já existem instrumentos, formas de avaliar, disponíveis. Agora é usar isso e ver o que faz sentido utilizar em escala para aplicarmos em todos os municípios brasileiros”, afirma.

Mesmo não atingido plenamente as metas, a educação infantil foi, segundo Gabriel Corrêa, um dos principais avanços desse último PNE. “O Brasil praticamente universalizou o acesso à pré-escola de crianças de 4 e 5 anos e conseguiu chegar ao redor de 40% do atendimento em creche saindo de um patamar muito baixo, em 2014 [22,9%, em 2013]”, destaca.

Por trás dos bons resultados, há, de acordo com ele, uma série de conjunturas favoráveis. “O estado brasileiro investiu recursos para abrir vaga em creche. Houve prioridade política nas prefeituras, alguns estados apoiaram as prefeituras e também tivemos várias políticas do governo federal para apoiar os municípios nessa abertura de vagas em creche”, enumera. “Foi um avanço importante, mas o Brasil precisa continuar nessa trajetória”, ressalta, lembrando que a proposta do governo federal para o próximo PNE é de chegar a 60% de atendimento (não mais em 50%) daqui a 10 anos.

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A redução das desigualdades, que no próximo PNE deve se materializar em metas, persiste ao longo dos anos como um grande desafio na educação infantil. Segundo balanço apresentado pelo Todos pela Educação, no final de junho, entre os 20% mais ricos, 54% da população de 0 a 3 anos frequentavam creche, em 2022. Entre os 20% mais pobres, o percentual era de pouco mais da metade (28%). Na pré-escola, a desigualdade também existe, mas já é bem menor: entre os 20% mais ricos, 97% das crianças de 4 e 5 anos frequentavam a escola, em 2022, percentual que cai para 89% entre os 20% mais pobres.

Para serem cumpridas, muitas das metas do PNE atual estão sendo extrapoladas para o próximo plano. Boa parte delas, segundo o especialista, como a expansão da educação infantil nas creches, universalização da pré-escola e expansão do tempo integral e da educação profissional e tecnológica, vão precisar de mais recursos e de uma melhor gestão deles. “Os recursos estão aumentando e precisam aumentar, mas precisam também ser mais bem geridos para que a gente possa realmente gerar resultados melhores com eles”, afirma.

Alguns bons exemplos espalhados pelo país mostram, segundo o especialista, que isso é possível, sim. “Sobral (CE) é um exemplo e há vários outros no país”, diz ele, citando Teresina (PI), capital que tem o melhor Índice de Educação Básica (Ideb) do Brasil, nos anos iniciais (6,3, em 2021), além de Ceará e Pernambuco, “estados mais pobres do que a média brasileira, mas que sempre se destacam nos índices de qualidade educacional”.

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Apesar de admitir a urgência de termos um novo PNE, Gabriel acredita que essa é uma discussão que não pode ser feita de forma acelerada. Para ele, a prorrogação do plano atual até dezembro de 2025 foi necessária, mas é importante que até o fim do ano que vem o Brasil tenha um novo Plano Nacional de Educação que possa orientar as políticas nacionais e embasar toda a discussão dos planos estaduais e municipais de educação. Ninguém tem dúvidas de que para o Brasil se desenvolver educação precisa ser prioridade já para todos. Estamos atrasados.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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