ASSINE VEJA NEGÓCIOS
Imagem Blog

Cenário Global

Por Gustavo Diniz Junqueira Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Análises e comentários sobre relações internacionais, a inserção global do Brasil, agendas do futuro

Brasil e Europa: Parceria estratégica para um agronegócio sustentável

O campo brasileiro cresceu e pode inspirar os europeus em ganhos de eficiência. Em vez de competir, os setores de lá e de cá devem cooperar

Por Gustavo Diniz Junqueira
Atualizado em 1 abr 2025, 17h16 - Publicado em 1 abr 2025, 17h16

O Brasil tornou-se, ao longo das últimas décadas, um protagonista incontornável no cenário global do agronegócio. De importador de alimentos básicos nos anos 1980, o país transformou-se em líder mundial na exportação de soja, carne bovina e aves, além de ocupar posições de destaque em setores como café e açúcar. Esse feito foi construído por meio de uma combinação de reformas políticas, inovações tecnológicas e espírito empreendedor de seus agricultores.

Entretanto, a relevância do agronegócio brasileiro no mercado internacional não vem sem críticas. Preocupações legítimas sobre desmatamento, relações trabalhistas e práticas de negócios têm alimentado debates intensos, especialmente na Europa. Para muitos, colaborar mais de perto com o Brasil nesse setor é comportamento visto como um dilema ético. Mas essa visão simplista desconsidera uma oportunidade maior: a de engajar-se ativamente em um diálogo transformador que una produtividade e sustentabilidade.

O Brasil e a Europa podem, juntos, construir uma parceria estratégica que vá além do comércio e se torne um exemplo de colaboração global na busca por segurança alimentar e práticas sustentáveis. Esse é um desafio que exige coragem política e uma visão pragmática, capaz de superar narrativas polarizadas e priorizar soluções compartilhadas.

A agricultura europeia enfrenta desafios próprios, historicamente sustentada por subsídios e voltada para mercados locais e de nicho. Precisa encontrar formas de modernizar-se, sem perder suas características culturais e sociais. Nesse contexto, o Brasil não deve ser visto como um competidor, mas como uma fonte de aprendizado. O uso de sistemas produtivos integrados e a adoção de tecnologias de precisão podem inspirar práticas mais eficientes e sustentáveis na Europa, sem comprometer a identidade de suas comunidades rurais.

O agronegócio brasileiro tem origem em uma trajetória singular de superação. No início da década de 1990, o país passou por reformas que desmantelaram monopólios estatais e abriram espaço para o mercado. O setor, antes controlado por instituições como o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e o Instituto Brasileiro do Café (IBC), foi impulsionado pela competição e pela autonomia. Sem redes de proteção tradicionais, os agricultores brasileiros assumiram riscos consideráveis, apostando em inovação, eficiência e adaptação tecnológica.

Continua após a publicidade

Esse ambiente de dinamismo resultou em uma verdadeira revolução. O Cerrado, antes considerado impróprio para a agricultura, foi transformado em uma das regiões mais produtivas do mundo, sem prejuízo das questões de sustentabilidade. Técnicas como a correção do solo, o plantio direto e a integração entre lavoura e pecuária permitiram ao Brasil ampliar sua produção sem a necessidade de expandir significativamente a área cultivada. Hoje, 87% do crescimento da produção agrícola brasileira provém de ganhos de produtividade, e não da conversão de novas terras.

No entanto, o sucesso do agronegócio brasileiro também expôs desafios. O desmatamento ilegal na Amazônia é uma preocupação legítima, e a dificuldade em aplicar e monitorar leis ambientais é um problema que prejudica a imagem do país. Por outro lado, críticas que ignoram os avanços significativos realizados pelo Brasil, como o Código Florestal e as tecnologias de baixo carbono, são contraproducentes e demonstram a falta de conhecimento da realidade. As iniciativas de comunicação sobre a evolução dos mecanismos de defesa do meio ambiente e da qualidade dos produtos agropecuários nacionais junto ao mercado internacional ainda são insuficientes. Reconhecer o progresso é essencial e um primeiro passo para abrir um espaço de diálogo construtivo.

Mudanças estruturais conduzidas recentemente pelos Estados Unidos estão redesenhando o comércio internacional em alta velocidade e intensidade, exigindo ajustes das economias globais. Esse novo contexto reforça a importância de relações comerciais estratégicas baseadas em previsibilidade e eficiência. A União Europeia pode se beneficiar ao estreitar laços com o Brasil, garantindo segurança alimentar, sustentabilidade e diversificação de fornecedores. Para isso, é essencial que o Brasil continue aprimorando seus mecanismos de rastreabilidade, certificação e governança da produção agropecuária e da proteção ambiental, atendendo às exigências do mercado europeu e consolidando sua posição como parceiro confiável, comunicando com mais transparência e eficácia as realizações por meio de relações diplomáticas e comerciais. Tais iniciativas poderiam aproximar as expectativas europeias da realidade brasileira, promovendo maior transparência e fluidez nas relações comerciais.

Continua após a publicidade

Roberto Azevedo, ex-diretor geral da Organização Mundial do Comércio, tem defendido que, para que o Brasil possa continuar a crescer e se destacar no setor agropecuário considerando os mercados internacionais, é essencial haver uma regulação interna robusta, uma visão de longo prazo compartilhada entre os diferentes atores do setor e uma transparência baseada em ciência.

Seguindo essa mesma linha de pensamento, a colaboração em inovação tecnológica oferece um enorme potencial. O Brasil já lidera em práticas como a integração de sistemas agrícolas e a utilização de biofertilizantes, com excelência em pesquisa e desenvolvimento de sementes, biodefensivos e tecnologias de monitoramento e cuidados com as produções agrícolas, adaptados para os inúmeros biomas do país. Por sua vez, a Europa hoje mantém rígidos controles em governança ambiental e energia renovável. Juntos, poderiam liderar o desenvolvimento de tecnologias capazes de reduzir emissões e aumentar a eficiência no uso de recursos naturais.

A União Europeia e seus cidadãos não ignoram as críticas que recaem sobre o agronegócio brasileiro, que reforçam muitas manifestações públicas em defesa dos produtores e mercados locais. Apoiar o Brasil não deve significar compactuar com práticas inadequadas, mas sim engajar-se em esforços para promover avanços. Incentivos financeiros para iniciativas de recuperação ambiental, aferição de valor aos créditos de carbono. E compromissos claros de redução de emissões podem alinhar interesses e fortalecer a confiança mútua.

Continua após a publicidade

Afastar-se do Brasil, entretanto, seria uma escolha equivocada. O isolamento não resolve os desafios ambientais e sociais, mas reduz a capacidade de influenciar mudanças positivas. Ao invés disso, a Europa deveria assumir um papel de liderança e proatividade, engajando-se em uma relação que valorize o progresso já realizado pelo Brasil e promova transformações ainda mais profundas.

Essa parceria deve ser construída sobre os pilares da transparência, da inovação e da responsabilidade compartilhada. O Brasil tem mostrado que é capaz de produzir em escala global enquanto melhora suas práticas ambientais. A Europa, com sua longa tradição de liderança em sustentabilidade, pode ajudar a acelerar esse processo, transformando desafios em oportunidades.

O futuro da agricultura global depende de alianças estratégicas como essa. Brasil e Europa têm a chance de liderar um movimento que equilibre produtividade, preservação ambiental e justiça social. Esse é um caminho que exige pragmatismo, mas que pode oferecer benefícios duradouros para agricultores, consumidores e para o planeta. Essa é a parceria que o momento exige.

*Gustavo Diniz Junqueira é empresário e atua nos conselhos de administração do fundo Exagon, da Alper Seguros, da AgriBrasil e da Capturiant. Foi secretário estadual de Agricultura em São Paulo 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas R$ 5,99/mês*
ECONOMIZE ATÉ 59% OFF

Revista em Casa + Digital Completo

Nesta semana do Consumidor, aproveite a promoção que preparamos pra você.
Receba a revista em casa a partir de 10,99.
a partir de 10,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.