Em política, qualquer um sabe que é má ideia sentar na cadeira antes da hora. É claro que, em um governo de continuidade, a coisa é bem diferente. É preciso um plano de voo constante, manter a máquina rodando. Mas iniciar às vésperas de uma eleição o debate interno sobre medidas que mexem diretamente com o bolso dos eleitores mais vulneráveis é um presente dos grandes para o adversário.
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Segundo uma reportagem de hoje no jornal Folha de S. Paulo, assinada pelas jornalistas Idiana Tomazelli e Julianna Sofia, algo nessa linha está em curso no governo Bolsonaro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, prepara “um ambicioso plano para refundar as contas públicas no País”. Uma espécie de marco fiscal, que guiaria sua permanência no cargo num eventual segundo mandato do presidente Jair Bolsonaro.
Um ponto importante em discussão seria mudar as regras de indexação do salário mínimo e de benefícios previdenciários atrelados a ele, como as aposentadorias. Uma ideia antiga da equipe de Guedes, que até hoje custou a avançar justamente por conta de sua enorme impopularidade. O relator da PEC do Pacto Federativo, Marcio Bittar, que o diga. Coube a ele tentar emplacar a ideia de não corrigir o salário mínimo pela inflação para bancar a reformulação do programa Bolsa Família, na época ainda chamado de Renda Brasil. No fim das contas, o próprio Bolsonaro acabou derrubando a ideia.
O plano em discussão na equipe de Guedes inclui ainda, segundo o jornal, uma reformulação da regra do teto de gastos. O afastamento da necessidade de licenças para gastos extra-teto, novas exceções à regra e correção menor de algumas despesas estariam no horizonte do governo para o segundo mandato. Por enquanto, está tudo em discussão, nada é definitivo. Mas o plano é bater o martelo em breve e apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição ao Congresso já no dia seguinte à eleição.
Segundo trechos da proposta mostrados pela reportagem, uma das ideias é que a correção do salário mínimo e dos benefícios previdenciários deixe de ser feita pela inflação passada – hoje ela é feita pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).
Na proposta de nova regra, a correção do piso “considera a expectativa de inflação e é corrigido, no mínimo, pela meta de inflação”. O gasto com benefícios previdenciários “também deixa de ser vinculado à inflação passada”. Ou seja, por essa premissa, os reajustes seriam feitos acordo com as previsões do governo e não com o aumento real dos preços medido no ano anterior. Outra ideia seria fazer a correção pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), índice que costuma ser menor que o INPC.
Como mostra a reportagem, se fôssemos considerar a correção dos valores pela meta de inflação deste ano o salário mínimo seria reajustado em 3,5%. Pela previsão do IPCA, em 5,03%. Mas, pela projeção do INPC, a correção é de 10,16%. Números que encaixariam perfeitamente na propaganda eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que há tempos promete retomar reajustes do salário mínimo acima da inflação.
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