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Claudio Lottenberg

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Mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein
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A “janela natural” cada vez mais aberta para o interior do corpo

Estudo mostrou ser possível examinar o fígado com culturas de células hepáticas nos olhos

Por Claudio Lottenberg
Atualizado em 9 Maio 2024, 11h35 - Publicado em 5 mar 2024, 10h13
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  • Saber o que se passa com a saúde do fígado de alguém sem submeter a pessoa a um processo cirúrgico soa bastante positivo. Cirurgias, afinal, são procedimentos complexos e que envolvem algum grau de risco. Um estudo recente mostrou que sim, é possível conferir a saúde do fígado de maneira não-invasiva, muito mais sutil: pelos olhos.

    Os olhos, assim, se não “janelas para a alma” (como diz a frase já atribuída a tantos luminares da cultura e gravada no falar coletivo), cada vez mais são janelas para o que se passa no interior do corpo. O próprio estudo, aliás, faz essa comparação, quando diz que a córnea é transparente e “atua como uma janela natural do corpo”.

    O trabalho, publicado recentemente pela revista científica Nature (e disponível na biblioteca online dos NIH – os Institutos Nacionais de Saúde, dos EUA), mostra que o método desenvolvido pelos pesquisadores do Instituto Karolinska, da Suécia (uma das principais escolas de medicina do mundo), utiliza culturas de células chamadas de esferóides hepáticos (estruturas tridimensionais cultivadas a partir dos hepatócitos – células predominantes do fígado, importantes, por exemplo, no metabolismo e por neutralizar substâncias nocivas).

    Estes são enxertados na câmara anterior do olho (que fica entre a córnea, estrutura transparente na frente do olho; e a íris, parte colorida do olho, que controla a entrada de luz), são vascularizados (recebem vasos sanguíneos) e inervados (recebem nervos). Esferóides hepáticos são empregados em testes de eficácia e toxicidade de novos fármacos – muito comum utilizá-los, então, na indústria farmacêutica.

    Conectadas ao olho dessa forma, essas estruturas tridimensionais retêm características específicas dos hepatócitos e semelhantes ao fígado. Por exemplo, diagnosticar doença hepática gordurosa pode ser facilitado usando essa cultura de esferóides: ela armazena gordura tal como o próprio fígado o faz. Se o indivíduo fizer uma dieta rica em gordura, o que se passar no órgão será observável “de maneira não invasiva e longitudinal”. Também será possível observar os efeitos no fígado.

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    Já é comum que se possa ver o que se passa dentro do corpo por meio do que os olhos mostram. Um estudo de 2017 (também disponível nos NIH), por exemplo, avaliou a associação entre mudanças vasculares na retina e AVC (acidente vascular cerebral). O trabalho mostrou que há uma relação específica entre os dois – “o que é uma evidência promissora para a previsão de acidente vascular cerebral usando análise computadorizada dos vasos da retina”.

    Em outro artigo, de janeiro deste ano (no Journal of Neuroscience), pesquisadores da Johns Hopkins University usaram um estudo simples dos movimentos oculares que mostrou que pessoas menos pacientes tendem a mover os olhos com maior velocidade. Isso, por sua vez, sugere que o peso atribuído por algumas à passagem do tempo pode afetar a forma como tomam certas decisões. “Uma melhor compreensão de como o cérebro humano avalia o tempo ao tomar decisões também pode esclarecer por que o mau funcionamento em certas áreas do cérebro torna a tomada de decisões mais difícil para aqueles com distúrbios neurológicos”, diz o artigo.

    Não são – e nem serão – os únicos exemplos do que se poderá alcançar em termos de ver o que se passa no corpo pelo que os olhos exibem. O avanço da IA (inteligência artificial) inclusive deverá tornar exames ainda mais precisos e ampliar em muito as capacidades de se diagnosticar condições de saúde sem recorrer a procedimentos invasivos.

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    Outras tecnologias poderão também reduzir, ou mesmo eliminar, a necessidade de procedimentos invasivos para certas condições – ainda que não necessariamente por meio do que os olhos mostrarem. Na robótica, por exemplo, nanorrobôs poderão ser de extremo valor para detectar tumores e diagnosticar câncer, segundo artigo publicado no Journal of Hematology & Oncology – sem fazer uso de métodos invasivos ou tratamentos mais agressivos ao corpo.

    Que os olhos são, indiscutivelmente, as “janelas naturais” do corpo está cada vez mais claro – e o avanço científico vai permitir que, por eles, vejamos cada vez mais o que se passa em nós mesmos.

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