Vivemos tão cercados de modernidade que, às vezes, fica um tanto afastado da nossa memória que a criatividade e a inovação não são privilégios de nossos tempos. Os avanços na tecnologia da comunicação, na engenharia aeroespacial, na biotecnologia e em praticamente qualquer outra área estão ao nosso redor cada vez mais. Mas nem todas as respostas para os problemas de hoje estão por ser criadas do zero. Um exemplo é um estudo publicado na revista especializada Cell Medicine Reports e divulgado no jornal The New York Times.
O estudo teve início antes de ter surgido a Covid-19, e o que se buscava era averiguar se haveria como beneficiar portadores de diabetes tipo 1 com múltiplas injeções de vacina BCG – que completou um século de criação no ano passado, para combater a tuberculose. A vacina foi criada pelos médicos e cientistas franceses Léon Calmette e Alphonse Guérin, em 1921, e foi batizada em homenagem a eles.
A tuberculose representou ao longo da história um flagelo de que hoje podemos fazer uma ideia aproximada, uma vez que existe a Covid-19. Trata-se de uma doença infecciosa e transmissível, que afeta em particular os pulmões, mas também chega a ossos, rins e meninges (membranas que envolvem o cérebro). Em um mundo anterior à descoberta da bactéria, muitas foram as vítimas da doença: o poeta baiano Castro Alves; o escritor Franz Kafka; o pianista Frédric Chopin; o jornalista George Orwell; a lista seria longa.
O racional do estudo foi tentar fazer com que a vacina fortalecesse o sistema imunológico da pessoa com diabetes para que seu organismo pudesse resistir às muitas infecções a que fica sujeito. Segundo a reportagem do New York Times, 144 pessoas fizeram parte do estudo; apenas uma de 96 que receberam as doses de BCG no início de 2020 desenvolveram covid-19; já entre as 48 que tomaram placebo, seis desenvolveram a doença. Um outro estudo, publicado em julho no periódico Frontiers in Immunology, mostrou que, de 300 idosos que receberam a BCG, as infecções por Covid-19 foram reduzidas em parcela considerável, com menos hospitalizações que entre os que receberam placebo.
Faz pensar que se encontrou aí um caminho possível a ser seguido, segundo os pesquisadores, não para combater a atual pandemia, mas para tornar as pessoas mais resistentes a situações parecidas no futuro. A ideia é que se possa, de formas ainda a serem estudadas, fortalecer os sistemas imunológicos, de forma a que, se uma nova cepa de alguma doença altamente contagiosa surgir, não encontre hospedeiros com imunidades tão baixas ou enfraquecidas.
Soa como um plano ambicioso, vistas todas as dificuldades que houve em se produzir vacinas na escala necessária para combater a Covid. Ainda mais levando-se em conta as controvérsias envolvidas na imunização de grandes populações. Mas inspira certo otimismo. A velocidade com que se produziu os imunizantes contra Covid-19 mostra que é possível pensar em vacinas que sirvam como uma proteção de mais amplo espectro. Claro que há muitos outros fatores envolvidos nos diversos países, como a pandemia atual deixou bastante evidente.
Mas essa ideia, de resgatar uma tecnologia imunológica já conhecida e potencializá-la, para que leve a pessoas mais resistentes, pode levar a outras iniciativas. Alimentação e hábitos mais saudáveis, disponibilidade de alimentos em países mais pobres, investimentos em saneamento – tudo isso e mais ajudará a que uma “vacina universal” possa ser mais eficaz, e quem sabe evitar que a humanidade seja apanhada tão despreparada no caso de algo parecido no futuro.