
“Fique calmo e siga em frente.” Sim, você já leu esse lema — e diversas variantes dele — milhares de vezes. Há cerca de vinte anos, o slogan “keep calm and carry on” se tornou uma febre mundial, na versão original e em paródias de todo tipo estampadas em itens como pôsteres, canecas, camisetas e aventais. Ficou tão onipresente que já nem causava reflexão. No entanto, ele me voltou à mente nos últimos tempos, ao ver os americanos tentando estocar alimentos que não sabem quanto vão custar nos próximos meses — ou nem sequer se estarão disponíveis, caso a taxação a produtos importados realmente atinja o alcance prometido pelo presidente Donald Trump.
Há semanas, não só os americanos, mas pessoas no mundo todo vêm perdendo a calma diante das tarifas. Entende-se. Numa economia globalizada, qualquer decisão de monta vinda dos Estados Unidos repercute em todos os mercados. Mas não deixa de ser desconcertante ver o temor que parece antecipar uma guerra — aliás, a questão vem mesmo sendo chamada de “guerra tarifária”.
Por isso retomo aqui aquela frase, inventada numa guerra “real”. Ela foi criada em 1939 pelo Ministério da Informação do Reino Unido para um cartaz destinado a motivar a população em caso de invasão alemã na Segunda Guerra. Estampado com o símbolo da Coroa Britânica e o slogan em letras brancas sobre fundo vermelho, o pôster não foi usado. Os exemplares foram destruídos, mas um ou outro escaparam, vindo à tona em 2000. A sobriedade da mensagem cativou as pessoas como um estímulo a perseverar contra a adversidade, qualquer que seja.
“Não deixa de ser desconcertante ver o temor que parece antecipar uma guerra”
Curiosamente, esse também é o tom no meu entorno mais imediato. Mesmo se, no momento em que escrevo este texto, estou no olho do furacão, ou seja, nos Estados Unidos. O motivo que me trouxe até aqui, mais precisamente à cidade de Boston, é a Brazil Conference, evento anual destinado a difundir as realizações do nosso país e a debater soluções para o futuro. No material sobre a conferência, leio que ela defende a “discordância construtiva”. A frase me parece resumir bem o espírito que deveríamos adotar. Idealmente, a confusão do momento será logo substituída por acordos, e tudo retomará o fluxo normal.
É claro que não está fácil manter a cabeça fria. Neste momento, o principal alvo da política tarifária americana é a China, enquanto demais países tiveram a taxação limitada em 10%, ao menos temporariamente. Isso, contudo, já basta para que os consumidores sintam o peso nas compras de produtos frescos, em primeiro lugar, e, depois, em itens comuns de despensa, como café e açúcar. Há outras dúvidas no ar. Alguns importadores que já pagaram por cargas agora em trânsito dizem não saber se elas serão ou não taxadas na chegada; outros procuram cortar o percentual das novas tarifas em outras áreas de seus negócios.
Pode ser que, até essas palavras chegarem a você, novas mudanças tenham ocorrido em meio a esse embate. São tempos incertos. Mas gostaria de lembrar que, enquanto os britânicos esperavam os alemães, tudo faltava. Até os tais cartazes destruídos foram reciclados quando houve escassez de papel. Por sorte, aqueles poucos remanescentes vieram nos lembrar que sempre é possível confiar e seguir adiante.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2025, edição nº 2940