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Modo viagem

Surpresas são sempre muito bem-vindas

Por Lucilia Diniz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 set 2024, 11h47 - Publicado em 6 set 2024, 06h00
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  • Há quem, tendo passado por uma cidade uma única vez, a considere visitada. Era bem outra a nossa compreensão do assunto enquanto deslizávamos suavemente no trem que deixava Amsterdã para trás. A estação, um belo prédio de tijolos à beira do canal, as torres altas e as pontes graciosas foram cedendo lugar a moinhos de madeira e campos verdes de cartão-postal. No vagão, o som ritmado nos colocava em um estado de contemplação e, quilômetro por quilômetro, era como se a própria paisagem nos contasse uma história antiga.

    Não era nossa primeira visita à cidade holandesa, mas, sim, a primeira em que exploramos seus arredores sobre trilhos. Sair dos centros principais de turismo, de forma planejada ou a esmo, cada vez mais casa com os anseios da viajante que me tornei. O que faz uma viagem especial para mim é bem diferente hoje do que era anos atrás.

    “E, no entanto, às vezes do incalculado surgem as melhores experiências”

    O divisor de águas foi o Caminho de Santiago. Ali, viajar ganhou novo sentido. Cruzando os Pirineus de abrigo em abrigo, aprendi uma forma diferente, mais pausada e aberta, de estar em terras estrangeiras. Passei a adotar atitudes que, em outras circunstâncias, seriam inusitadas para mim — viajar é mudar de hábitos, ao menos por uma temporada. Ilustro com uma história. Em uma recente passagem pelo Douro, indagamos, nas ruas de um vilarejo, qual seria o caminho para a igreja matriz. Abordamos um senhor esperando somente uma explicação. Ele a deu, indicando com a mão: “É lá para cima”. Mas, não contente, ofereceu uma carona. Quando vimos, estávamos indo “lá para cima” com um completo desconhecido.

    Mesmo uma cidade já visitada pode parecer nova a cada ocasião. Não só porque os lugares se modifiquem, mas porque nós também mudamos. Há até quem diga que não existe “viagem de ida e volta”, pois a pessoa que retorna nunca é a mesma que partiu. Ou, como escreve Marcel Proust, “a verdadeira viagem de descoberta não consiste em buscar novas paisagens, mas em ter novos olhos”. É comum que, ao entrarmos na vida independente, nos lancemos com ímpeto a tudo. A sede de saber da juventude é útil, pois nos abastece com repertório para futuras escolhas. Não à toa, jovens sonham tanto com anos sabáticos e “mochilões”, acalentando um anseio não só por ver o mundo, mas por devorá-lo. Novidades reacendem esse desejo um pouco “glutão”. Assim, tantas pessoas, ao planejarem férias para um destino novo, traçam roteiros com dez cidades em quinze dias, apenas quanto baste para colocar um alfinete no mapa: “Eu estive aqui”.

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    Para outros, porém, esse primeiro contato serve só como reconhecimento de terreno, sabendo que nenhum destino se esgota. E, ainda, que deixar algo na lista é nutrir a esperança de uma próxima vez. Mesmo o lugar onde moramos pode ser impossível de conhecer. Nas metrópoles isso é particularmente verdadeiro. Pode-se ser turista em sua própria cidade e, no sentido oposto, viver por um tempo em cidade alheia como se fosse um cidadão local. Cultivo um pouco dos dois. Corremos o tempo todo, cultuando metas bem definidas. E, no entanto, às vezes do incalculado surgem as melhores experiências e as ideias mais frescas. Desejo a todos uma próxima viagem muito especial — seja ela como for.

    Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909

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