Há cinco meses ouvi um sonho de alguém muito querido. Nele, um homem seguia por uma trilha pregando ao vento: “O mundo fechou”. O sonhador acorda com uma imensa angústia no peito, que viria a ser recorrente nos tempos atuais. Hoje, ele se revira imaginando o que fazer para legar aos seus netos um planeta melhor.
Relatos com imensa carga simbólica e motivacional têm vindo à tona em diversas conversas. O volume de doações para a causa da Covid-19 ultrapassou 2 bilhões de reais em 14 de abril. A cada dia que passa, percebo uma compreensão de que fazer o bem, mais do que nunca, nos fará bem. Tanto à nossa saúde física e mental quanto à saúde da Terra. Hoje o que não falta são pessoas absolutamente motivadas para mitigar os efeitos do coronavírus, a ameaça microscópica que se abateu sobre nós. Gente que tem percebido o dever que existe de lutar por toda a humanidade. Organizações que financiam pesquisa de ponta, produção alternativa de respiradores artificiais, importação de testes de diagnóstico rápido, confecção de máscaras de pano por mulheres voluntárias, e por aí vai.
“O ‘ter’ cederá cada vez mais espaço ao ‘querer’ e ao ‘fazer’. Querer mudar, fazer acontecer”
Fico encantada com iniciativas empreendidas por pessoas que, mesmo amargurando perdas de toda ordem, ainda encontram maneiras de levar alento aos heróis da saúde. Como especialista em nutrição e bem-estar, a vida toda militei pela alimentação saudável, livre de açúcar, gordura e farinha em excesso. Mas como deixar de me encantar com as centenas de pizzarias e lanchonetes que levam comida gratuita aos hospitais nas suas proximidades, alimentando aqueles profissionais que diariamente arriscam a vida dando o melhor de si pelo ser humano? Para não falar das iniciativas de pessoas que já vivem em precariedade, como a catadora de materiais recicláveis Cacilda Souza, de Ourinhos, que encheu centenas de garrafas PET recolhidas com água e sabão e passou a distribuí-las a moradores de rua — amarrando em cada um desses kits um bilhetinho com os dizeres “Se cuide, porque você é especial”.
Pessoalmente, acredito que o mundo dará um salto qualitativo gigantesco em seus valores. Viveremos um tempo em que o verbo “ter” cederá cada vez mais espaço ao “querer” e ao “fazer”. Querer mudar o mundo, fazer acontecer. Qualquer um que tenha um mínimo de preocupação com a própria biografia sabe que um dia será indagado sobre o que fez durante a maior ameaça à saúde pública do nosso tempo.
Uma vida saudável e bem vivida é, sem dúvida alguma, uma vida em que podemos olhar para trás com orgulho de nossas escolhas. Meu amigo Roberto Lima mencionou outro dia um webchat com o grande velejador brasileiro Beto Pandiani. Questionado sobre se achava que o mundo e a humanidade seriam melhores depois da pandemia, Pandiani disse: “Isso vai depender de cada um de nós”. Ao ouvir a resposta, Roberto comentou entre amigos que ele mesmo tinha feito sua escolha: seria uma pessoa melhor, simplesmente porque não gostaria que a humanidade não fosse melhor por sua causa. Que tenhamos todos esse propósito de vida em comum.
Publicado em VEJA de 22 de abril de 2020, edição nº 2683